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Uma crítica ao individualismo dominante na economia 23.10.10

23.03.10
 
Resenha por Ricardo Abramovay

"The Idea of Justice" - Amartya Sen. Harvard University Press, 304 p.
 
O Nobel Amartya Sen contesta a ideia de um único princípio unificador a indicar as instituições justas para construir o bem-estar.


O importante não é definir uma sociedade perfeitamente justa e sim estudar, avaliar e estimular o debate entre as diferentes medidas e os diferentes interesses voltados à permanente redução da injustiça. Buscar uma sociedade justa e lutar contra a injustiça não são dois lados da mesma moeda ou a imagem (revelada ou em negativo) da mesma cena. São horizontes filosóficos opostos que fundamentam visões contraditórias sobre a organização social.

Por um lado, encontra-se a tradição contratualista que vem de Hobbes, Rousseau, Kant, cuja expressão contemporânea está na maior obra de filosofia política do século XX, a do americano John Rawls, autor de "Uma Teoria da Justiça" (1971). Por outro, está a teoria da escolha social que nasce na Revolução Francesa, quando o marquês de Condorcet se dá conta da dificuldade inerente à formação de qualquer maioria representativa e racionalmente consistente. Na segunda metade do século XX, o Prêmio Nobel de Economia Kenneth Arrow oferece a demonstração matemática das dificuldades, na teoria microeconômica do bem-estar, de tomar decisões coletivas com base na agregação de preferências individuais.
Mas por que razão escolha social e contrato social colocam-se em campos opostos? Afinal, os dois valorizam a razão humana (e não a autoridade arbitrária) como base para a tomada de decisões coletivas. Ambos exprimem o desejo de alterar a situação presente em direção a um futuro melhor e nos dois casos o debate é o mecanismo por excelência da ação pública.
A maneira como o economista e filósofo indiano Amartya Sen, Nobel de Economia de 1998, reconhece essas identidades em "The Idea of Justice" é tanto mais interessante que ele foi amigo e colaborador intelectual dos mais importantes pensadores contemporâneos vinculados à tradição contratualista.
A grande diferença entre as duas abordagens é que o contratualismo desemboca no projeto de construir instituições que permitam a existência de uma sociedade justa. Partindo da premissa de que algum grau de desigualdade deve existir na vida social, John Rawls, por exemplo, propõe uma questão central: qual deve ser essa desigualdade para que possa haver, ao mesmo tempo, incentivos ao progresso material, sem que se produzam situações iníquas de miséria e privação?
Para que a resposta não reflita simplesmente os interesses dos atuais protagonistas do debate, o exercício deve ser encoberto por um "véu de ignorância" sob o qual seus participantes determinam qual é o nível de desigualdade socialmente útil, sem saber, no entanto, quem serão os ocupantes dos diferentes lugares sociais a que essa desigualdade dará origem. Portanto, abre-se o caminho para que, de forma impessoal (e com base na razão e no debate), seja concebida uma ordem justa.

A crítica de Sen não se reduz às óbvias dificuldades práticas de levar tal exercício adiante e do irrealismo do pressuposto igualitário em que ele se apoia. Em primeiro lugar, com base na teoria da escolha social, Sen contesta que possa haver um e único princípio unificador a indicar quais são as instituições justas para construir o bem-estar humano.

O contratualismo padece de uma espécie intelectualmente ingênua e politicamente perigosa de crença na capacidade unificadora da razão. Sen mostra, ao contrário, que podem ser múltiplas as razões subjacentes às escolhas dos indivíduos e são inúmeras as circunstâncias em que os julgamentos guiados e justificados racionalmente resultam em situações absolutamente opostas. Somente avaliações apoiadas nos produtos concretos dessas diferentes situações, a partir de debate aberto, bem informado e diversificado, é que podem fazer avançar a luta contra a injustiça.

Ao rejeitar a ideia de uma ordem racionalmente justa Sen rejeita igualmente o que chama de paroquialismo de procedimentos: não se trata de imaginar que a justiça é um valor relativo a cada cultura e, portanto, incomensurável. Ao contrário, o importante é que o debate público e em escala internacional permite sempre que essas diferentes ordens de justificação entrem em debate. Daí a fertilidade dos movimentos sociais, mesmo os mais radicais.

Mas, sobretudo, Sen convida a pôr em evidência, no estabelecimento dos critérios da escolha social, as liberdades substantivas dos indivíduos, suas realizações, abordando-as sempre sob um parâmetro comparativo e não a partir de um critério absoluto e transcendental de justiça. Muito longe de uma postura cética ou conformista, esse horizonte abre caminho para que a escolha social possa contar com elementos da racionalidade humana que dificilmente entram na tradição contratualista.

O livro de Sen é talvez a mais profunda crítica atual ao individualismo metodológico, dominante na economia: os indivíduos podem ter preferências que se referem, por exemplo, à justiça social ou ao bem-estar dos outros e não apenas a seus estritos interesses pessoais.

O centro de uma avaliação refletida do mundo atual deve ser ocupado pelas vidas reais dos indivíduos, pelas liberdades de que desfrutam e por seu poder real de fazer as opções que lhes sejam convenientes. Não se trata de chegar aí como resultado indireto e não antecipado de mecanismos como o crescimento econômico ou instituições como a garantia da propriedade, a liberdade de fazer negócios ou o sufrágio universal.

A luta contra a injustiça envolve uma deliberação intencional voltada a promover realizações humanas capazes de enriquecer a vida. Isso supõe traços concretos de organização social (que Sen chama de capacitações), como acesso à educação, à saúde, ao trabalho digno e também uma relação com a natureza que não se volte apenas a manter nossos atuais padrões de vida, mas possa assumir responsabilidades pela resiliência dos ecossistemas, muito além daquilo em que eles nos são imediatamente úteis.

Na Ideia de Justiça de Sen reside uma visão do ser humano como construtor de seu futuro, propenso a se indignar contra a humilhação, voltado a ampliar a liberdade, o debate racional e não como o produto inconsciente das boas instituições.

Ricardo Abramovay é professor titular do departamento de economia da FEA da Universidade de São Paulo, coordenador do Núcleo de Economia Socioambiental

Observatório: forte crescimento em 2009 fev 10

Fev 10

Comentário do Editor


Ao contrário do que aconteceu com o agronegócio brasileiro, o crescimento do número de frequentadores em 60% e de downloads de documentos em 180%, em 2009 com relação a 2008, marcam a performance do
Observatório do Agronegócio no ano que passou.

Em 2009 registraram-se 52.744 acessos (diariamente distintos) e 33.766 donwloads de documentos disponibilizados pelo Observatório.
Deve-se ressaltar que em 2009, a partir de março, este Observatório passou a ser atualizado quinzenalmente, após um período de cerca de 18 meses com atualizações diárias de segunda a sexta-feiras, e as estatísticas mostram que, apesar disso (ou, quem sabe, devido a isso...) a frequência ao nosso sítio aumentou em 60%. Cada edição quinzenal do Observatório contou com mais de 2.200 leitores, em média.
Registro, então, meu agradecimento a tod@s vocês que compartilham esse esforço de registrar e difundir as principais questões relativas aos impactos do agronegócio, sejam eles positivos ou negativos, na sociedade e no meio ambiente (em nosso país e no mundo). Espero continuar contando com a frequência de todos vocês e, em especial, com o apoio indispensável para que este sítio possa continuar a existir e mostrar os diversos lados desses agronegócios.
Maurício Galinkin
Editor

Dendê na Amazônia leva governo brasileiro para contramão do controle dos câmbios climáticos
04.04.09

04.04.09

Comentário do Editor:

Não se pode reclamar de incoerência da atual administração federal com relação às medidas que toma sobre o que fazer na ou da Floresta Amazônica: depois de decidir legalizar a ação dos grileiros, elevando para 1.500 hectares as áreas de posse passíveis de ordenamento pelo Incra, agora aparentemente está tudo combinado -inclusive com o ocupante da pasta de meio ambiente - para mudar o Código Florestal e permitir, na região, o reflorestamento por espécies exóticas, leia-se palmeiras de Dendê, que vieram da África (e não da Bahia...).

Conforme reportagem de Marta Salomon, na Folha de São Paulo deste domingo (04.04.09), os planos iniciais prevêm o plantio de 10 milhões de hectares com palmeiras de Dendê (
Palm Oil), para usar o óleo no biodiesel. A fonte da repórter é o ministro da Agricultura, Reinold Stephanes.

No mesmo jornal, o editor de Ciência da Folha, Cláudio Ângelo, lembra que "Do ponto de vista do clima, é um mau negócio. O plano nacional do clima diz que o biodiesel evitará a emissão de 62 milhões de toneladas de CO2 em 9 anos. O desmate emite 700 milhões por ano." Isso porque será praticamente inevitável que ocorra desmatamento para implantar grandes plantações de
Palm Oil, a exemplo do que acontece na Malásia e Indonésia.
Veja a citada reportagem em
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Objetivos socioambientais por meio de mercados mar 09

Mar 09

Por Ricardo Abramovay



Consumidores eticamente ativos formam mais da metade dos 14.500 entrevistados em 15 países pela prestigiosa organização GlobeScan (Global Public Opinion and Stakeholder Research). A marca "comércio justo" (Fair Trade) lhes é familiar. Dois terços do universo total da pesquisa acreditam que a Fair Trade Labeling Organization é rigorosa ao emitir seus parâmetros de avaliação. Estas informações, divulgadas há alguns dias (http://www.globescan.com/), são coerentes com o fato de que em 2008 as vendas de produtos do comércio justo aumentaram 24% na Áustria, 40% na Dinamarca, 57% na Finlândia, 22% na França, 75% na Suécia, 43% no Reino Unido e 10% nos EUA. Em nenhum dos 15 países pesquisados houve queda nas vendas em 2008, mesmo com o aprofundamento da crise.
A Starbucks é hoje o maior comprador do mundo em produtos do comércio justo. Ela optou por caminho diferente do escolhido pela Mc Donald's, que na Grã-Bretanha só vende café certificado pela Rainforest Alliance, uma prestigiosa ONG voltada tanto ao fortalecimento de comunidades locais como de práticas produtivas compatíveis com a integridade dos ecossistemas em países em desenvolvimento. Cadburry e Mars são também empresas que vincularam suas marcas a produtos certificados pelo comércio justo ou pela Rainforest Alliance, nos últimos anos.

É verdade que, comparado ao volume do comércio mundial, pode parecer exagero apoiar-se nestes produtos de sobremesa (café e chocolate) ou de artesanato (como muitas vezes é o caso no comércio justo) para defender que o mundo está entrando numa nova era de consumismo ético. Por isso é interessante examinar os resultados de um trabalho recente da consultoria internacional A. T. Kearney ("Green" Winners) mostrando que as empresas reconhecidas como sustentáveis pelos Índices Dow Jones e Goldman & Sachs tiveram resultados superiores a suas congêneres em 16 dos 18 setores examinados no ano de 2008. São companhias que (segundo os termos da consultoria A. T. Kearney) encaram a sustentabilidade não como obrigação filantrópica, mas como parte fundamental de sua estratégia de negócios.
Aqui também ao menos duas objeções podem ser levantadas: não é fácil demonstrar que o maior valor acionário destas empresas decorra realmente de suas práticas ambientais saudáveis (e não, por exemplo, de seu tamanho ou do prestígio geral de suas marcas). Além disso, é possível colocar em dúvida os próprios parâmetros a partir dos quais as empresas passam a fazer parte destes índices.
O que, no entanto chama a atenção nestes dois trabalhos recentes, e mais ainda no recém lançado State of Green Business 2009 (www.greenbiz.com), é a intensidade com que um número crescente de organizações de mercado se lança no esforço de produzir rastreamento, selos de qualidade e certificação. É claro que está em jogo aí a reputação das empresas e de suas marcas. Esta reputação passa, cada vez mais, pela maneira como as companhias privadas se relacionam com os ambientes sociais em que atuam e de que dependem. Além disso, impressiona a produção cada vez mais detalhada de indicadores de desempenho que não se limitam aos preços e à qualidade imediata do produto para seus usuários.

Foi-se o tempo em que apenas produtos considerados de nicho (comercializados em mercados especiais e de alta renda) tinham que se dotar de atributos que iam além daquilo que a legislação de cada país exigia. Hoje, a qualificação dos produtos é cada vez mais generalizada e profunda. O State of Green Business 2009 mostra de que maneira a sociedade americana se relaciona com os recursos de que depende sua prosperidade em setores decisivos como construção civil, tecnologia da informação, lixo eletrônico, transporte, indústria química e papel. Mais que isso, faz uma avaliação da intensidade do uso de água na produção industrial, das emissões e do próprio consumo de energia.

É impossível resumir estes resultados num indicador único: não existe e provavelmente nunca existirá um parâmetro sintético capaz de medir o estado das relações entre sociedade e natureza que se compare àquilo que o PIB representa para o crescimento econômico. Ainda assim, é importante observar a melhoria dos indicadores da relação entre a economia e os ecossistemas: no sexto relatório do Carbon Disclosure Project, de 2008, as 500 grandes empresas que o compõem medem não apenas suas próprias emissões, mas aquelas contidas na energia que compram, nas emissões indiretas derivadas das viagens de negócios, do transporte dos funcionários, do funcionamento de suas cadeias de negócios (supply chain) e do próprio ciclo de vida dos produtos.

Estes indicadores passam a funcionar como bússolas de orientação para práticas empresariais. Mais que resultado da indispensável engenharia ambiental, eles se formam sempre em disputas sociais que têm lugar nas agências governamentais, no interior das empresas e na relação entre ambas e os diferentes segmentos da sociedade civil organizada. Vários destes indicadores são estabelecidos em longos processos de negociação, como os que ocorrem agora na Mesa Redonda da Soja Responsável (que se reúne nos dias 26 e 27 de maio próximo), na dos Biocombustíveis Sustentáveis ou como os que se consolidaram no Forest Stewardship Council (FSC), cujo prestígio e reconhecimento internacionais são consagrados.

Há 150 anos, quando mercados tipicamente capitalistas estavam em sua infância, Marx opunha a inteligência da organização fabril à anarquia da produção social e preconizava algo próximo a um planejamento centralizado que fizesse das necessidades sociais o eixo da vida econômica. O desenvolvimento dos mercados contemporâneos, sua tão salutar mistura com a organização social talvez os tenha transformado numa arena privilegiada em que objetivos fundamentais como justiça, solidariedade, participação social, preservação e valorização da biodiversidade são cada vez mais expostos. É um campo de conflitos e disputas em torno de interesses e visões de mundo e não um projeto pronto e acabado sobre como organizar o mundo. Mas é isso que faz dos mercados um dos mais interessantes meios de expressão das lutas políticas e culturais contemporâneas.
Ricardo Abramovay, professor titular do Departamento de Economia da FEA/USP, é coordenador de seu Núcleo de Economia Socioambiental (Nesa), pesquisador do CNPq e organizador de Biocombustíveis: A Energia da Controvérsia (Ed. Senac)
www.econ.fea.usp.br/abramovay/

Iniciativa Brasileira discute princípios e critérios de verificação agropecuária 23.03.09

23.03.09

Comentário do Editor:

Na segunda feira passada, dia 16, foi realizada a primeira consulta presencial da Iniciativa Brasileira sobre Verificação da Atividade Agropecuária, projeto que tem como objetivo criar referenciais para uma produção agropecuária socioambientalmente mais correta.

O encontro reuniu cerca de 60 pessoas, e o debate foi amplo e sob diversos pontos de vista e experiências pessoais, com a participação de coletores de castanhas a superintendentes de bancos.

A participação do chamado "setor econômico" foi significativa, e seus representantes mostraram que estão interessados em influenciar - e como - na definição dos princípios e critérios.

Com marcante presença no debate da questão dos transgênicos, tirando os exageros de afirmarem que seria contra a lei a Iniciativa não aceitar o plantio de transgênicos, as empresas e lobbies dessa área vieram com toda a força para ganhar o debate. Enfrentaram novidade de seu próprio lado, com a presença da Abrange, ONG que defende e incentiva o plantio de não-transgênicos, e do Carrefour, que tem um departamento de produtos com garantia de origem que rejeita transgênicos até na alimentação animal. Porém, lamentavelmente deixou de haver o previsível debate com especialistas de ONGs que têm programas de trabalho que combatem os transgênicos, o que deixou as empresas e seus associados nadando de braçadas na discussão. A esse respeito, veja o
vídeo de minha conversa com Roberto Smeraldi, da AdT-AmBr.

Uma pequena amostra do evento pode ser vista e ouvida nos vídeos que produzi -e peço antecipadamente desculpas por algumas falhas na qualidade de imagens e som, já que feitos com equipamento e programa de edição amadores, sem muito recursos -, e que estão na seção de
Vídeos do Observatório.

Faço votos que a Iniciativa prossiga cada vez mais fortalecida, contando com o amadurecimento e compromisso das partes que a compõem.

Um filme que deveríamos ter visto no início de 2003 03.03.09

03.03.09

Comentário do Editor:

Os compromissos de campanha não precisam ser abandonados frente às enorme dificuldades de implementá-los, está mostrando o presidente Obama, dos EUA. Seus discursos, já instalado no poder, seguem a linha da campanha -em outro tom, é claro, pois não está mais nos palanques - e sua proposta de Orçamento reflete o que propôs aos seus eleitores para conseguir votos.

Como pode ser visto na matéria reproduzida nesta edição ("Obama quer eliminar subsídios a grandes produtores agrícolas", em Outras Notícias I), os grandes fazendeiros deixarão de receber subsídios agrícolas, pois a equipe do presidente entende que eles não precisam desse dinheiro e o governo pode aplicá-lo melhor em benefício da coletividade, não dá-lo para uns poucos.

E o que pretende o presidente Obama fazer com o dinheiro que está retirando das camadas mais ricas?

Educação, Saúde, tecnologia para energias limpas serão as prioridades da Administracão Obama, de acordo com o noticiário que chega de Washington. Os recursos liberados de outras áreas serão direcionados a estas prioridades.

É interessante ver que um país que tradicionalmente rejeita planejamento governamental, o adota - ainda que informalmente -e de maneira correta: existem prioridades - e são apenas três, não tudo é prioritário, como aqui; define-se claramente de que grupo social os recursos serão retirados e quais grupos serão por eles beneficiados.

Sim, temos um pano de fundo terrível nessa redistribuição de renda, a dinheirama gasta pelo Tesouro norte-americano para "salvar" o sistema financeiro das falcatruas perpetradas pelos seus dirigentes. Uma situação encontrada pela atual administração e da qual não pode fugir.

De toda forma, visto daqui, abaixo dos Trópicos, estamos assistindo uma situação que, para nós, deveria ter acontecido nos primeiros meses de 2003, não acham? Entramos no cinema para ver o filme e saímos, já nos primeiros minutos de projeção, totalmente frustrados...

Indicadores de recessão até final de 2010: com quais políticas o governo a combaterá? fev 09

fev 09

Comentário do editor:

A cada dia o noticiário, tanto brasileiro quanto de outros países, está recheado de informações sobre fechamento de unidades produtivas, seja de forma 'temporária' (férias coletivas), seja em definitivo; negociações de redução de horas trabalhadas e salários dos trabalhadores; empresários defendendo livre negociações, com "flexibilizacão" das leis, entre patrões e empregados (em um momento em que estes encontram-se fragilizados).

Pelo lado da demanda, quedas abissais nas vendas de automóveis nos EUA, e os consumidores, em todo mundo, adotando posturas mais conservadoras, trocando marcas e produtos caros por outros mais baratos. Ontem, aqui neste Observatório, reproduziu-se o noticiário sobre a queda nas vendas nos supermercados paulistanos - onde há mais poder aquisitivo em nosso país - em um mês tradicionalmente de maior consumo devido às festas de fim de ano, dezembro, que em 2008 ficou 10% abaixo de 2007.

No agronegócio, nosso foco aqui, já se noticiou uma previsão de queda de 12% nas exportações - pois o desemprego está crescente em nossos principais mercados externos - o que significa um mês e meio de produção, na média. As empresas já paralisam a produção para "se ajustar" ao novo patamar de demanda. O mercado interno, que teoricamente poderia absorver esse excedente não exportável, já dá, também, indicações claras e fortes de retração na atividade econômica, com consequências no emprego e renda disponível para consumo. Voltaremos a ter o frango a R$1 o kg? nos atuais custos, isso é insustentável para as empresas, pode acontecer somente para "desova" de estoques. O IBGE divulgou, ontem (05), que a produção da agroindústria "encolheu" 3,1% no último trimestre de 2008. "Os números mostram, no entanto, que mesmo antes da intensificação da crise financeira mundial, em setembro, a produção já vinha se desacelerando. O crescimento foi de 6,1% no primeiro trimestre, 2,6% no segundo e 2,4% no terceiro", informou o IBGE (veja notícia completa nesta edição).

As oscilações e imprevisibilidade nos preços agrícolas levou os ruralistas a pressionarem o governo e ganharem garantias de preços mínimos até para commodities que sempre tiveram a Bolsa de Chicago como referência básica. A bolsa da Viúva (Tesouro Nacional, ou melhor, nós contribuintes) arcará com o provável prejuízo. E outros setores econômicos já estão na fila para buscar dinheiro da Viúva. Afinal, querem um tratamento igualitário...

O argumento de que todos "precisam comer", e com isso o agronegócio brasileiro sempre terá mercado, é falacioso pois
quem não tem renda não come, e a prova disso é o bilhão de pessoas em todo planeta que os órgãos das Nações Unidas classificam como famintos e buscam arrecadar fundos para alimentá-las.

E qual é o "plano B" do governo? quem sabe dele? é possível notar algum esforço de mobilização para discutir e desenhar alternativas, medidas de precaução para os vários graus e sucessões de crises e problemas que podem eclodir? o que se vê, apenas, é o incentivo ao consumo - especialmente de automóveis - e o inflar do PAC -Programa de Aceleração do Crescimento - com investimentos privados que são duvidosos (veja, a propósito, a matéria de hoje "Investimentos em usinas devem cair 40% neste ano")
; ampliar o Bolsa-Família, em beneficiários e valores distribuídos, ampliar o número de meses do seguro-desemprego, coisas paliativas dessa ordem.

A OIT- Organização Mundial do Trabalho anunciou um prognóstico que, como resultado da recessão mundial que se inicia, haverá a perda de 51 milhões de postos de trabalho. Na Europa, prevê-se que cerca de 3,5 milhões de pessoas engrossarão, neste 2009, as fileiras dos já 17,4 milhões de desempregados registrados em 2008. Quantos trabalhadores brasileiros em empregos formais serão dispensados em 2009? e aqueles do mercado informal que dependem da renda destes?
É preciso desenhar planos de contingência e implementar políticas ativas de geração de renda, pois apenas retórica não será capaz de enfrentar o tamanho da "marola" que vem por aí...

Enxofre no Diesel jan09

Jan 09
Por Ricardo Abramovay(*)

Tendo como protagonistas uma empresa e um setor tão inovadores, o caso do enxofre no diesel torna-se ainda mais intrigante HÁ UM ABISMO entre o avanço tecnológico e organizacional da Petrobras e das empresas que compõem a Associação Nacional de Fabricantes de Veículos Automotores e o atraso de seu comportamento no caso do enxofre no diesel.


Enquanto nos países desenvolvidos investimentos são feitos para reduzir a presença de 10 a 15 partes por milhão de enxofre no diesel, aqui a meta de baixar de 2.000 para 500 ppm, fora das regiões metropolitanas, e para 50 ppm nas regiões metropolitanas é adiada. Tendo como protagonistas uma empresa e um setor altamente inovadores, a postergação torna-se ainda mais intrigante.

Uma comparação internacional talvez ajude a entender melhor o problema. Nos Estados Unidos, a relação entre empresas, meio ambiente e sociedade passou por quatro fases. A primeira delas (anos 1960) é marcada pela arrogância e pela negação: segundo a indústria, o derramamento de óleo em Santa Barbara, na Costa Oeste norte-americana, em 1969, por exemplo, não provocaria efeitos danosos à saúde. Da mesma forma, uma das maiores companhias químicas do mundo respondia ao clássico de Rachel Carson, "A Primavera Silenciosa" (1962), com a ameaça de uma hecatombe alimentar, caso os agrotóxicos deixassem de existir do dia para a noite ("The Desolate Year", "Monsanto Magazine", outubro de 1962).

A segunda etapa foi a da regulação, nos anos 1970: forma-se a Environmental Protection Agency (a agência ambiental norte-americana), que dita regras e recebe forte oposição industrial. Nesse momento, a relação entre ativistas, governo e firmas é, fundamentalmente, de confronto. Durante os anos 1980, os temas ambientais começam a fazer parte da pauta das empresas. Sob pressão social direta, elas implantam normas voluntárias e constituem em seu interior diretorias ambientais com poder real e que vão muito além de recomendações puramente técnicas.

A quarta etapa tem início no final dos anos 1980 e caracteriza-se por dois traços fundamentais. Em primeiro lugar, a cultura corporativa contemporânea consagra a expressão "stakeholder" (o conjunto dos interessados naquilo que faz a firma, muito além de seus acionistas) como parte ativa de sua gestão.

Além disso, os temas socioambientais incorporam-se à estratégia empresarial a partir da permanente relação que o setor privado mantém com o setor público e associativo. Essa rápida história do que Andrew Hoffman, em "From Heresy to Dogma" (da heresia ao dogma, Stanford Business Books) chama de ambientalismo corporativo oferece parâmetros a partir dos quais se pode analisar o desrespeito à resolução 315 do Conselho Nacional do Meio Ambiente, de 2002, que previa diminuição drástica do teor de enxofre no diesel a partir de janeiro de 2009. A Petrobras e a indústria automobilística assumiram, nesse caso, atitude semelhante à das grandes empresas norte-americanas até o final dos anos 1970.

Em primeiro lugar, a Petrobras afirma não estar descumprindo a lei, ignorando o que marca a atitude estratégica das grandes corporações mundiais: não se trata apenas de obedecer à lei, mas de antecipar-se à contestação social, incorporando as demandas da cidadania a seu processo de planejamento.

A Agência Nacional do Petróleo não regulamentou o que o Conama decidira em 2002. Em vez de se adiantarem, zelando pela saúde pública, Petrobras e o setor automobilístico optaram pelo caminho de seguir estritamente a letra da lei ou, pior, explorar suas ambiguidades. O resultado é um sério comprometimento de sua reputação.

O segundo argumento veiculado publicamente pela Petrobras é que o enxofre é menos prejudicial à saúde que outros elementos nocivos contidos nas emissões. Essa ideia foi posta abaixo pelo trabalho científico de Paulo Saldiva, professor titular da Faculdade de Medicina da USP, mostrando a natureza letal, para as populações metropolitanas, do diesel que são obrigadas a respirar. O motor a explosão interna e os combustíveis fósseis permanecerão entre as bases materiais da civilização contemporânea por boa parte do século 21. Se, no caso do enxofre no diesel, de solução técnica amplamente conhecida, a conduta foi essa triste mistura de rejeição das evidências científicas com o legalismo burocrático, cabe perguntar: o que vai ocorrer quando estiverem em jogo situações de muito maior risco socioambiental, como as representadas pelos impactos potenciais das novas jazidas de gás e do pré-sal sobre os ecossistemas e as populações vivendo nas áreas litorâneas do Sudeste brasileiro?

(*) RICARDO ABRAMOVAY , 55, é
professor titular do Departamento de Economia da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP, coordenador de seu Núcleo de Economia Socioambiental e pesquisador do CNPq.

Mamadeiras de policarbonato podem a afetar a saúde humana 10.12.08

10.12.08

Por Sônia Corina Hess, engenheira química, professora da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul -UFMS

Há um número crescente de materiais suspeitos de causarem distúrbios na ação de hormônios sexuais e induzirem ao desenvolvimento do câncer. Em mulheres, a exposição a estrógenos (substâncias que imitam a ação do hormônio feminino estrogênio) é o principal fator de risco para o desenvolvimento de endometriose, câncer de mama e útero. Em homens adultos, a exposição a estrógenos resulta em ginecomastia (crescimento das mamas), diminuição da libido, impotência, diminuição dos níveis de andrógeno (hormônio masculino) no sangue, diminuição na contagem de espermatozóides, entre outros agravos à saúde.

Muitos materiais industriais de amplo emprego são apontados na literatura científica como sendo agentes capazes de causar desequilíbrio no sistema hormonal de mamíferos, incluindo os seres humanos, atuando também como agentes carcinogênicos, citando-se como exemplos: ftalatos (componentes de plásticos, cosméticos, etc); alquilfenóis (que fazem parte da composição de detergentes e plásticos); componentes de filtros solares (homosalato (HMS), benzofenona-1 (BP-1), benzofenona-2 (BP-2), benzofenona-3 (BP-3), 3-benzilideno cânfora (3-BC), 4-metil benzilideno cânfora (4-MBC) e 4-metoxicinnamato de 2-etilhexila (OMC)); inseticidas (DDT, dieldrin, quepone - clordecone, endosulfan, metoxiclor, toxafeno, diazinon); herbicidas (linuron, alaclor, atrazina); fungicidas (vinclozolin, procymidona, procloraz); entre outros.

O bisfenol A tem sido uma das substâncias químicas de maior produção ao redor do mundo, e está presente em materiais que fazem parte de latas de conserva, mamadeiras, garrafas de água mineral, canos de PVC, seladores dentários, e muitos outros itens. Mamadeiras comercializadas no Brasil, bem como em quase todos os países, são feitas de policarbonato, um plástico transparente obtido a partir do bisfenol A. Em trabalhos científicos recentes foi descrito que "tendências do adoecimento de seres humanos têm semelhança com os efeitos adversos observados em animais de laboratório expostos a baixas doses de bisfenol A, como o aumento da incidência de - câncer de próstata e mama; - anormalidades uro-genitais em bebês do sexo masculino; - puberdade precoce em meninas; - desordens metabólicas incluindo obesidade e diabetes resistente à insulina (tipo 2); - problemas neuro-sociais, como hiperatividade associada a déficit de atenção e autismo; - além da diminuição da qualidade do sêmen dos homens". Tais dados científicos levaram o governo do Canadá a proibir a comercialização, a partir de 19 de junho de 2008, de mamadeiras de bebês feitas com policarbonato.

Diante das evidências conclui-se que, entre outras, uma medida que deveria ser adotada visando à proteção da saúde pública seria incluir, na legislação, a obrigatoriedade da avaliação das propriedades hormonais e carcinogênicas de águas de abastecimento e de produtos industriais comercializados no Brasil.
(Publicado no jornal O Estado de MS, em 02.10.2008)
Veja, também:
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Masculinidade Sob Ameaça na Natureza: Poluição química ameaça machos de várias espécies, diz estudo 09.12.08
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Em dez anos, proporção de nascimentos masculinos chega a cair de 62,5% para 26,3% 08.12.08

Corporações internacionais preparam salto tecnológico para apropriarem-se de toda Natureza 17.11.08

17.11.08

Estudo recém-lançado alerta sobre a concentração de empresas, transformação da natureza em “commodity” e chama a atenção sobre a resistência global baseada na Soberania Alimentar.

O Grupo ETC, baseado no Canadá, com 30 anos de companhamento do poder das grandes empresas e indústrias da chamada “ciência da vida” (“life science”), acaba de lançar um relatório de 48 páginas intitulado “A quem pertence a Natureza?” que reúne e analisa informações sobre a concentração empresarial na comercialização de alimentos, insumos agrícolas, saúde e o impulso estratégico que estão realizando para transformar em commodities os remanescentes recursos naturais do planeta.

Em um mundo onde pesquisa de mercado está tornando-se cada vez mais cara e de acesso exclusivo para seus financiadores, o relatório da ETC contribui para o exercício da cidadania ao publicizar gratuitamente nomes, mostrando a participação das empresas no mercado. Alinha, também, as dez mais da indústria e da cadeia alimentícia. Nem todas companhias identificadas pelo ETC são marcas conhecidas do consumidor, mas coletivamente controlam uma fantástica parcela dos produtos comerciais encontrados nas fazendas que produzem em escala comercial, nas nossas geladeiras e nas farmácias.

O relatório da ETC mostra que:
- De milhares de empresas e instituições públicas dedicadas à produção de sementes, que existiam três décadas atrás, hoje apenas dez companhias controlam mais de dois terços das vendas de sementes certificadas;
- De dezenas de companhias produtoras de pesticidas existentes três décadas atrás, agora temos apenas dez controlando quase 90% das vendas mundiais de agrotóxicos;
- Das quase mil companhias de biotecnologia que começaram a funcionar 15 anos atrás, dez agora respondem por três quartos do faturamento desse setor industrial;
- As dez maiores companhias farmacêuticas controlam 55% do mercado mundial de medicamentos.

Tendo como pano de fundo o colapso sistêmico do ambiente, do clima, dos alimentos e das finanças, “A quem pertence a Natureza” alerta que, com o “engenheiramento” de organismos vivos a uma nano escala (na chamada biologia sintética), a indústria está armando o palco para a apropriação de toda a Natureza pelas empresas.

“Aproximadamente um quarto da biomassa mundial já foi commoditizada”, informa Pat Mooney, do Grupo ETC. “Com a intensificação da pesquisa de engenharia genética, estamos presenciando novas estratégias corporativas para capturar e commoditizar os restantes três quartos da biomassa mundial que, até agora, ficaram fora da economia de mercado”, completa Mooney.
Fonte: ETC Group, tradução de Maurício Galinkin
Veja o domínio de alguns mercados mundiais em
Notícias anteriores 17.11.08 e baixe "A quem pertence a Natureza", completo (em inglês ou espanhol) em Documentos

Nossas crianças são muito mais resistentes a agrotóxicos que as norte-americanas 05.11.08

05.11.08

Comentário do editor:
Nos Estados Unidos da América do Norte, a presença do agrotóxico "perimifos metílico" não é permitida no trigo, ou seja, o padrão é tolerância zero, o que fez com que a Nestlé retirasse do mercado norte-americano sua farinha láctea fabricada no Brasil. Aqui, permite-se a presença de 5 mg/kg, e o Ministério da Agricultura alega que estamos " abaixo da margem internacional recomendada por organismo internacional ligado à ONU e à OMS".

É bom lembrar que o trigo que vai para fabricação da farinha láctea, produto destinado principalmente ao consumo infantil, é o mesmo usado na produção de pão, alimento fundamental especialmente para as populações urbanas.

Segundo toxicologista ouvido pela Folha de São Paulo na sexta-feira passada, "Não há risco. A concentração do agrotóxico é extremamente baixa", concluindo-se que a farinha láctea não é prejudicial às crianças.

A pergunta que fica, então, é porque razão foi adotada uma tolerância zero na presença desse agrotóxico no trigo consumido nos EUA? não houve base científica? não foi resultado de estudos e pesquisas? foi uma decisão burocrática qualquer, resultado de algum lobby de empresas concorrentes?

Mas, ao que tudo indica, dados os níveis, aqui permitidos, de resíduos tóxicos nos alimentos, certamente nossas crianças são mais resistentes à ingestão de agrotóxicos que as norte-americanas.

Nestlé suspende venda de farinha láctea nos EUA

Nova York - A companhia suíça de alimentos Nestlé informou a suspensão da venda nos Estados Unidos do cereal Farinha Láctea Nestlé, fabricado no Brasil, depois de verificar a presença residual de um pesticida atualmente não aprovado para uso em trigo no país.

A companhia disse que "não recebeu informação de indisposição ou reclamações de consumidores", mas recomendou aos que adquiriram a Farinha Láctea Nestlé que "não consumam o produto e devolvam às lojas onde foram comprados para total reembolso". O pesticida é permitido nos Estados Unidos em safras de grãos, excluindo o trigo.
Fonte: informações da Dow Jones, com Cynthia Decloedt, Agência Estado
para ler a notícia completa, clique
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Farinha Láctea não é prejudicial às crianças, diz especialista


O teor de pesticida encontrado em lotes da mistura Farinha Láctea, produzida pela Nestlé do Brasil, apreendidos num mercado de produtos brasileiros nos EUA não é prejudicial à saúde, segundo toxicologistas.
Laudo do Departamento de Proteção ao Consumidor do Estado de Connecticut, nos EUA, diz haver 0,080 mg/kg do agrotóxico perimifos metílico, acima da tolerância zero para a substância naquele país. No Brasil, o limite para farinha de trigo, presente na composição da Farinha Láctea é de 5 mg/ kg.
Em nota, a Nestlé diz que "cumpre rigorosamente a legislação vigente no Brasil".
Fonte: Vinícius Queiroz Galvão, Folha de São Paulo, 31.10.08
Para ler a notícia completa (para assinantes da Folha e do UOL), clique
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Uma Análise Preliminar das Transformações Recentes na Agropecuária Latinoamericana 28.10.08

28.10.08


Por Eduardo Gudynas
(1)

Artigo publicado em
Economía Crítica y Desarrollo 3 (5): 167-191; 2008. Chile

Apresentação

O presente artigo está baseado na apresentação realizada pelo autor no seminário "A agricultura latinoamericana frente às negociações comerciais (OMC/ bilaterais): mobilização social e articulação internacional", convocado pelo Grupo de Trabalho em Agricultura da Alianza Social Continental e outras organizações, no Rio de Janeiro (21-22 agosto 2008).

Introdução

A agropecuária na América Latina recuperou parte de sua importância econômica passada, no calor dos incrementos dos preços dos alimentos e um fluxo exportador excepcional. Em alguns países, os produtos agroalimentares se converteram em estrelas do crescimento econômico, e a partir de então algum otimismo se respira entre as agroindústrias.

O presente artigo oferece uma revisão de algumas idéias-chaves sobre estas transformações recentes na agropecuária latinoamericana. A análise articula, de forma heterodoxa, a economia política e a ecologia política desse sector, e o faz desde a perspectiva do desenvolvimento sustentável. Neste artigo se postula que os câmbios atuais na agropecuária não são apenas de grau ou um aprofundamento de velhas tendências mas, sim, que representam transformações radicais.

Estas se baseam em uma expansão do novo capitalismo sobre os processos e atores envolvidos na atividade agropecuaria, gerando uma mercantilização ainda mais profunda e a fragmentação da produção. Este câmbio opera essencialmente pela imposição e adoção de um certo estilo de produção antes que pela propiedade da terra ou dos meios de produção. Estes câmbios têm consequências muito diferentes entre os distintos atores sociais, e afeta principal e negativamente às comunidades camponesas e os agricultores familiares, que correm sérios riscos.

Em consequência, neste trabalho são aordados alguns pontos mais importantes destas transformações, hierarquizados com referência às discussões atuales entre vários movimentos sociais. ressalto, então, que o presente texto não pretende ser uma revisão exaustiva de toda esta temática, limitando-se a uma contribuição enfocando especialmente as organizações da sociedade civil.
(1) (Secretario Executivo do Centro Latino Americano de Ecología Social (CLAES), Montevidéu, Uruguay.
www.agropecuaria.org egudynas@agropecuaria.org)

Veja o artigo completo, em castellano, em Documentos

ITAL: soja é contaminada com agentes cancerígenos na secagem com lenha 17.09.08

17.09.08


Comentário do editor:


Se já se combatia o uso de lenha, especialmente originada de cobertura vegetal natural - de espécies nativas - na secagem e processamento da soja, em virtude da devastação ambiental que vem provocando nos últimos 30 anos, agora soma-se uma forte evidência científica dos seus perigos para a saúde pública.

O óleo de soja, o mais barato e mais consumido pela população brasileira, contém 13 agentes cancerígenos capazes de provocar mudanças no material genético das pessoas que os ingerirem. E isso vem acontecendo há décadas em nosso país, só agora sendo detectado após um ano de pesquisa pelo Instituto de Tecnologia de Alimentos da Secretaria de Agricultura do Estado de São Paulo.

De acordo com o Instituto,
"As análises apontaram a contaminação de todas as amostras coletadas, que pertenciam a diferentes marcas." Diz a coordenadora da trabalho, Mônica Rojo de Camargo, que "No caso do óleo de soja, os resultados obtidos pela pesquisa - que avaliou 42 amostras coletadas ao longo de um ano - eram esperados. Os HPAs [compostos cancerígenos] são formados, nesse caso, durante a secagem da soja, pois, no Brasil, ainda se utiliza a secagem pela queima da madeira. Eles se depositam no grão e passam para o óleo bruto."

Ela lembra que a contaminação se dá em um processo de produção usado por todas as empresas do agronegócio da soja. E conclui:


"A conscientização e a mudança de postura devem partir da indústria, já que o consumidor não tem como se proteger. Uma das alternativas é substituir o processo de secagem."

Hoje é o dia do Cerrado: em 30 anos, o agronegócio fará dele "apenas um retrato na parede" 11.09.08

11.09.08


Comentário do editor:

Temos que comemorar, enquanto existe!
Parafraseando o que disse Drummond sobre sua Itabira (MG), ele será apenas "um retrato na parede. Mas como dói"... (citando de memória).

Contando com menos de 4% de áreas protegidas, o bioma Cerrado está com os dias contados. No último estudo da ONG Conservação Internacional (CI), o ritmo de destruição do Cerrado estava em 1,1% ao ano, ou seja, 22.000 quilômetros quadrados. Isso vem acontecendo desde início da década de 1970 .

Com 60% de sua área já completamente modificada pelo homem, o que dá 120 milhões de hectares, agora só restam 80 milhões ha com pouca ou nenhuma alteração, mas em sua maioria composta de areões, fundos de vale e áreas menos adequadas à agricultura comercial, lembra Paulo Gustavo, diretor da CI.

A fronteira agrícola do Cerrado está no Piauí, Maranhão, Tocantins e parte do oeste da Bahia, onde ao ritmo do sobe e desce das commodities a cobertura vegetal natural vai caindo para ser substituída por plantios comerciais de grãos e matérias primas para agrocombustíveis. Cana-de-açúcar, inclusive.

Com pelo menos 30 anos de atraso, o governo federal agora propõe-se a criar um sistema de monitoramento do Cerrado, à semelhança da Floresta Amazônica, e o anuncia com a devida pompa e circunstância - e os holofotes, claro - na reunião do Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA) realizada ontem.

Esse mesmo monitoramento será fruto de um convênio de cooperação entre a citada CI, que já estuda o Cerrado há décadas, a ONG The Nature Conservancy (TNC), a Universidade Federal de Goiás (UFG) e o Ministério do Meio Ambiente (MMA), que já está pronto para ser anunciado em Goiânia (GO) dia 25 próximo. Será mais um dia de holofotes para o ministro, sobre a mesma ação, pra variar.

Mas a pergunta que surge é o que será feito com os resultados do monitoramento? com certeza, anúncios do ministro para imprensa, holofotes inclusive. E o que mais? Ricardo Machado, diretor do Programa Cerrado-Pantanal da CI, informa que com o monitoramento permanente e contínuo serão construídos Cenários futuros, que poderão auxiliar no desenho das políticas públicas de conservação e defesa do bioma.

Indagado se vê alguma possibilidade do governo implementar políticas para defender o Cerrado, Ricardo simplesmente responde: "temos que ser otimistas!"

Ruralistas ganham 1º assalto 21.08.08

21.08.08

na atual luta entre interesses privados e direitos coletivos


Comentário do Editor:

Hoje completa um mês que foi assinado, pelo presidente da República, o Decreto nº 6.514, de 22/07/08, que regulamentou a Lei de Crimes Ambientais.

Dentro de uma perspectiva de ocupação de espaço na mídia, a promulgação desse texto legal se deu com muita pompa e circunstância, com direito a cerimônia no Palácio do Planalto, uma forma talvez de prestigiar o recém-empossado ministro do Meio Ambiente após uma trajetória de contínuos retrocessos governamentais que levou - depois de cinco anos de desgaste permanente - a senadora Marina Silva a renunciar ao cargo de ministra.

Ontem, após conversar com a bancada ruralista e outros representantes do setor, o atual ministro de Meio Ambiente anunciou a "flexibilização" do referido texto, e uma comissão de ruralistas irá entregar a ele, em uma semana, uma proposta de modificação de 12 pontos que desejam ver alterados (veja mais em
A Notícia). Ganharam o primeiro assalto dessa atual fase da luta entre interesses privados e direitos coletivos.

Se o ministro encaminhou um texto com "
exageros" ou que tenha "extrapolado a lei" para ser assinado pelo presidente da República, falhou ao não levar a sério a responsabilidade desse tipo de legislação. Induzir o Presidente ao erro, e um mês depois admitir cândidamente a necessidade ou possibilidade de alterar o texto costumava ter um efeito altamente desmoralizador, além do óbvio alto custo político. Agora, certamente não terá esta conseqüência, já que o ministro vem cumprindo à risca a determinação presidencial de não criar problemas políticos...sequer defendeu o texto de sua própria proposição.

Flexibilização, aliás, tem sido a palavra mágica que utiliza permanentemente para dourar a pílula dos recuos na legislação ambiental, para aceitar que as leis deixem de ser cumpridas, para sucumbir diante das pressões dos grandes grupos econômicos e seus porta-vozes políticos.

No momento em que a ciência demonstra os impactos da ação humana no clima do Planeta, das suas consequências no futuro próximo, das ações necessárias para que esse futuro simplesmente exista, passa a ser ainda mais avassalador na sociedade brasileira o vale-tudo imediatista do faturamento a qualquer custo, pois essas atitudes predominam tanto no Poder Executivo quanto no Legislativo.

Torna-se necessária uma reavaliação de prioridades, forças e instrumentos que permitam à sociedade brasileira reagir e defender o direito à vida das futuras gerações, para garantir a existência de um futuro para esse nosso país, em que exista educação, saúde e qualidade de vida para todos seus habitantes. De tal forma que contribua, também, para que continue a existir vida no Planeta Terra.

Pois se continuar assim, todos os próximos assaltos desta luta serão perdidos pela coletividade e haverá um imenso recuo na legislação brasileira, impactando não apenas o meio ambiente mas, também, nas populações indígena, quilombola, ribeirinha, caiçara e que as vivem secularmente em áreas rurais mas sem títulos de propriedade, além dos direitos sociais e do trabalho de toda população brasileira.


PS: Veja as mudanças propostas pelos ruralistas na seção
Documentos

Arrozeiros colhem quase R$100 mi na TI Raposa Serra do Sol enquanto não sai decisão do STF 09.09.08

09.09.08


Vejam a notícia de ontem (08) do Globo Rural:

"O STF, Supremo Tribunal Federal, adiou o julgamento sobre a demarcação da Reserva Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. Enquanto a decisão não sai, produtores de arroz colhem mais uma safra.
A colheita do arroz está em ritmo acelerado. Os grãos que foram plantados em maio, no início do inverno, quando as chuvas são mais intensas, estão rendendo bem.
A Reserva Raposa Serra do Sol, no norte do Estado de Roraima, área que foi homologada como terra indígena pelo governo em 2005, é ocupada também por agricultores, não índios, desde 1991. A principal atividade agrícola desenvolvida por eles é a produção de arroz. A lavoura ocupa 6,5% do total da reserva que possui 1,7 milhão de hectares.
Enquanto os produtores e índios esperam a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a contestação da demarcação, a colheita segue normalmente.
“Existe um planejamento estratégico a ser alcançado. E nós já estamos em fase de andamento da produção da lavoura de verão, considerada nossa lavoura principal”, explicou a agricultora Isabel Itikawa.
Na fazenda Tatu o agricultor Márcio Eli Barili espera colher 1,5 mil toneladas de arroz nos 230 hectares que cultivou. “É uma safra de inverno que a gente costuma plantar. Uma para fazer semente e outra para estar sempre em movimento com os funcionários, não deixar parado e dar continuidade ao trabalho”, falou.
Apesar de não ser a safra principal de arroz, o que está sendo produzido vai abastecer o mercado da capital Boa Vista e de outros Estados, como de Amazonas.
A expectativa dos agricultores é que sejam colhidas até o fim do mês 150 mil toneladas de arroz. Quando a colheita de inverno acabar eles já começam a preparar a terra para o cultivo da safra principal, que começa nas próximas semanas.
Não há data prevista para a retomada do julgamento no Supremo Tribunal Federal."
Fonte: Globo Rural
(http://globoruraltv.globo.com/GRural/0,27062,LTO0-4370-328528,00.html)

Comentário do editor
No mês passado a Conab leiloou arroz em casca no RS e obteve R$0,65/kg (veja
Leilão de arroz vende todos os lotes).
Ou seja, os invasores arrozeiros, com a protelação da decisão no STF, pelo sim ou pelo não, estão colhendo quase 100 milhões de reais de produção em terras indígenas, que começaram a ser demarcadas em 1977, "data a partir da qual o tema ganhou todas as tintas dos chamados 'fatos públicos e notórios'", segundo o voto do Ministro Relator Ayres Britto, do STF, (p. 90, §108 do voto), sendo invadidas pelos rizicultores 14 anos depois, em 1991.
Não foi sem razão, ao que tudo indica, que os arrozeiros instalados na TI Raposa Serra do Sol tanto comemoraram o pedido de vistas.

Há Urgência na Regulação Internacional de Critérios para atuação do Agronegócio 08.09.08

08.09.08


Comentário do editor:


Quando iniciamos o debate sobre que conjunto de critérios seria necessário criar para a contenção dos altos impactos ambientais, sociais e econômicos negativos resultantes da expansão da fronteira agrícola em nosso país, há mais de seis anos atrás, a primeira linha de argumentos baseava-se na efetiva aplicação das legislações ambiental e trabalhista brasileiras. Mas em muitos pontos era necessário ir além, e exigir que os grandes compradores de soja (discutia-se, então, apenas a soja, a grande impulsionadora da fronteira agrícola naquela época) adotassem critérios de compra que iriam além da legislação básica, pois senão deixaria de haver proteção adequada ao meio ambiente e às populações atingidas.

E a discussão desembocou em um ponto fundamental: de nada adiantaria proteger apenas nosso país se disso resultasse uma "exportação" de impactos negativos para nossos países vizinhos, ou para outras regiões. Os critérios deveriam ter aplicação universal, para todos os países, mesmo se a legislação local fosse menos restritiva.

E ficávamos imaginando o que aconteceria se o agronegócio viabilizasse produções em países sem legislação mínima, tanto ambiental quanto trabalhista, e com ainda menor capacidade de fazê-la respeitada que no Brasil. Países sem sociedade civil organizada, alguns com Estados ficcionais criados pelos colonizadores mas, de fato, divididos entre tribos rivais, etc.

Imagine, caro leitor, enclaves de 100 mil, 200 mil hectares, cercados e vigiados por milícias privadas, onde ninguém entra sem consentimento do proprietário, não existe legislação de proteção aos trabalhadores ou ao meio ambiente, não existe sequer Estado nacional.

Em outubro de 1964 eu vi isso, pessoalmente, em minerações na Libéria. Um Estado privado dentro de um país. Assim como está acontecendo em favelas no Rio de Janeiro, mas sem existir um Estado nacional que tente impor suas leis.

Pela reportagem que saiu no jornal alemão Der Spiegel, no sábado (06), esse cenário aterrorizante já começa a desenhar-se na África, onde empresas iniciaram uma corrida para produzirem agrocombustíveis. E esses enclaves vão certamente acontecer porque as empresas estão buscando os países mais carentes, onde não existe ou é muito fraca a presença do Estado de Direito, os governos estão ávidos por investimentos, por geração de renda, etc, e abrirão mão de qualquer questão que as empresas exigirem para lá se instalarem.

Se aqui, com toda legislação e um grau relativamente grande de fiscalização (exceto na Amazônia) ainda encontra-se trabalho escravo, imagine na África. Das questões ambientais, então, nem se fala.

Até mesmo o chamado setor produtivo tem que perceber a necessidade dessa urgente regulação internacional da produção de agrocombustíveis, para proteger-se de concorrência desleal (sei que algumas empresas preferirão implantar filiais lá, e beneficiarem-se dessa situação sem lei).

Mas o Brasil, enquanto país, como signatário de acordos internacionais nas esferas trabalhista, ambiental e de direitos humanos, e dentro da perspectiva de solidariedade entre os povos, tem a obrigação de preocupar-se com essa questão e liderar um processo de estabelecimento de critérios de produção e de compra que os grandes compradores terão que exigir dos produtores, para evitar o surgimento de um novo ciclo de escravidão e sofrimento de populações sem alternativas de vida. E as empresas que aqui trabalham têm, também, uma obrigação solidária nesse sentido.
Veja a reportagem do Der Spiegel, traduzida pelo UOL,
aqui
Veja os Critérios da Articulação Soja-Brasil (de 2004)
aqui.

Observatório completa um ano 05.09.08

05.09.08

esperando ter contribuído para equilibrar noticiário
No domingo, sete de setembro, o Observatório completa um ano de existência "no ar".

A proposta do Observatório, desenvolvida em seu projeto inicial, era bastante ambiciosa, pretendia criar uma pauta própria de cobertura das questões ambientais, sociais e econômicas que o agronegócio impinge ao país e à sua população, especialmente às comunidades do campo e grupos indígenas, que sofrem com o chamado "progresso". Teríamos repórteres indo fundo nas questões, especialmente na fronteira agrícola, correspondentes em diversos pontos do país e do mundo, atualizando os leitores com visões regionais e locais das questões suscitadas pela atuação do agronegócio, em suas diversas commodities.

Embora previsto para ser implantado por partes, o conjunto da proposta exigia um volume de recursos relativamente grande, e o projeto não obteve financiamento.

Sem dúvida, faltou ao autor do projeto experiência nesse tipo de mídia - Internet - bem como ser menos ambicioso, mais modesto, na sua propositura. Todos temos defeitos e viéses, alguns mais, outros menos.

E teimosia, cabeça dura, como se diz, é um desses defeitos - entre muitos outros - que este editor claramente reconhece em si, e que o levou a produzir este Observatório com seus próprios recursos e com o apoio abnegado de alguns colaboradores voluntários, a quem agradeço coletivamente, aqui.

Mas os limites são objetivos, e com isso o Observatório, durante este ano, só reproduziu notícias da imprensa, de forma seletiva mas democrática, buscando os vários lados das questões, tecendo comentários, buscando contribuir para o melhor entendimento das principais questões.

A pauta própria, a geração de notícias, ficou além das possibilidades e recursos disponíveis, mas ainda continua como meta desse Observatório. Assim como a transmissão, ao vivo, de eventos que sejam relevantes à discussão que aqui se pretende informar e incentivar.

O papel, ou a telinha do computador, aceita fácil escrever-se que "daqui pra frente, tudo vai ser diferente", que o Observatório do Agronegócio conseguirá recursos para implementar gradativamente seu projeto.

Mas, na verdade, será preciso reformular o projeto, ser mais modesto, deixando claras as várias etapas de desenvolvimento e de sua implementação, e encontrar apoios que permitam e garantam uma linha editorial independente, como a que aqui é proposta. Mas isso não é tarefa trivial.

Agradeço a tod@s que fizeram as 17.948 leituras do sítio nesse período de um ano, até o dia 4pp., entradas que se originaram de, pelo menos, 45 diferentes países, e que baixaram 5.624 documentos. Dentre estes, o mais procurado foi "Geração de Renda no Cerrado", produzido em 1999 com o apoio financeiro do PPP-Ecos, que 815 pessoas buscaram, seguido do "Relatório do Painel de Especialistas Independentes sobre o projeto da hidrovia Araguaia-Tocantins", publicado em 2000, produzido pelo Cebrac com o apoio financeiro do WWF e da Agência Ambiental de Goiás, e participação do ISA, IRN, Coalizão Rios Vivos, SBAC e Rede Cerrado, com 583 downloads, trabalhos que tive a satisfação de participar e coordenar, ambos na Fundação Cebrac (que não existe mais). O voto do Ministro Carlos Ayres Britto, sobre a TI Raposa Serra do Sol, em apenas uma semana teve 132 downloads!

Obrigado pela companhia nesse ano que passou!
Espero continuar merecendo a atenção e apoio de vocês.
Um forte abraço a tod@s,
Maurício Galinkin
editor

O poder local na nova ordem mundial 08.08.08

08.08.08

Por Sérgio Leitão, diretor de políticas públicas do Greenpeace

A areia do deserto do Saara que cai sobre os automóveis em Roma e a chuva da Amazônia que rega as flores do jardim da nossa casa - esteja ela construída em Alter do Chão (PA), no Jardim Ângela (SP) ou no Leblon (RJ) - apontam para a necessidade de uma participação cidadã na proteção do meio ambiente em escala planetária e no universo particular de cada um de nós. Vivemos a era do encontro do local com o global. Essa mistura, o glocal, é o mote para a inserção do cidadão nos debates sobre a nova ordem mundial. É preciso não só pensar globalmente e agir localmente, mas praticar também a lógica reversa. A maratona de eleições para as Prefeituras e Câmara de Vereadores é uma excelente oportunidade para o debate de soluções ambientais que tramem a articulação do local com o global.

O debate sobre mudanças climáticas, por exemplo, se trava nos salões da ONU. O estado da Califórnia e a cidade de Nova Iorque, no entanto, conseguiram quebrar o monolitismo do governo Bush de se negar a implementar o Protocolo de Kyoto com políticas ambientais locais eficientes. Podemos fazer o mesmo e melhor. Estabelecer Planos Municipais sobre Mudanças Climáticas, com metas de redução de emissões de gases do efeito estufa e eficiência energética, ancorados em um Código Ecológico de Construções Sustentáveis, pode ajudar a suprir a falta de vontade do governo Lula de adotar medidas concretas para resolver a crise do clima.

O Presidente alega que adotar medidas como o fim do desmatamento na Amazônia e a fixação de metas nacionais de emissões de gases de efeito estufa, irá travar o crescimento econômico do País. As prefeituras podem provar o contrário.

Outro tema global que deve ser tratado no nível local é a má distribuição de renda e seus efeitos para o meio ambiente. As diferenças no padrão de vida entre os pobres e os ricos de qualquer das nossas cidades é muito mais acentuada do que entre brasileiros e europeus. Muita gente boa por aqui já consome como um americano bem nutrido, basta olhar a quantidade de lixo que produzimos. De acordo com o IBGE, são recolhidos diariamente 230 milhões de quilos de lixo domiciliar e comercial em todo o País. Quase 60% desse total é jogado em lixões a céu aberto, o que significa altos gastos com a coleta de lixo.

Prever nas leis municipais que cada um responda pelos custos do lixo que gera preenche a lacuna deixada pelo Congresso Nacional, que desde 1999 discute o projeto de lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos. Os municípios estariam assim liderando as discussões sobre lixo e consumo. Mandar o lixo para longe não é eliminá-lo. Podemos começar a discutir nas cidades a nossa dificuldade de reduzir o nosso conforto, porque, como diz Umberto Eco, os resíduos “nascem do bem-estar que ninguém quer mais perder”.

Nos espaços urbanos afloram de modo mais incisivo os problemas ambientais e os conflitos da vida moderna, que podem desabrochar em soluções inovadoras para a construção de um futuro melhor para a humanidade.

Custos de transporte começam a impactar no mapa e comportamento da produção globalizada 04.08.08

04.08.08

Comentário do editor:

Os altos custos de transporte, resultantes do salto no preço do petróleo, já começam a repercutir nas estratégias de globalização da produção, é o que informa Larry Rohter em artigo publicado ontem (03) no jornal The New York Times.

Produzir partes nos países/locais econômica e fiscalmente mais baratos, juntá-las em outro e dar acabamento final em um terceiro país já não é automaticamente a melhor forma de produzir, afirma Rohter, pois os custos de transporte subiram extraordinariamente e estão levando as empresas globalizadas a mudar de estratégias.

A economia de aglomeração, entre empresas situadas em uma vizinhança, começa a se mostrar mais eficaz, e sua proximidade com o mercado consumidor torna-se fator crucial na concorrência.

Além disso, a crescente preocupação com o aquecimento global, com a perda de postos de trabalho nos países ricos, com segurança alimentar e garantia de fornecimento, e o recente fracasso das negociações da Rodada de Doha, de liberalização do comércio internacional, são também sinais que preocupações ambientais e políticas estão fazendo mais complexo os cálculos da globalização produtiva e comercial, informa o artigo do NYT.

Segundo Rohter, esquemas produtivos que levam minério de ferro do Brasil para a China, onde é produzido aço que, transformado em máquinas de lavar é levado para a Califórnia, e em seguida embarcadas em caminhões para Chicago, estão fazendo menos sentido agora que há alguns anos.

Hoje, o custo de transporte de um container de 12 metros, de Shangai para os Estados Unidos, chega a US$ 8 mil, contra US$ 3 mil no começo da década, informa Rohter.

Como já analisado aqui anteriormente, isso deve impactar o comércio de produtos de baixo valor unitário e grande volume, as chamadas commodities, e favorecer o comércio de produtos que tenham maior valor agregado, que podem suportar maiores custos de transporte por unidade de peso. É o caso da carne versus grãos de soja. Há toda uma tendência de transferir a produção da proteína animal para países como o Brasil, grande produtor de alimentos para animais, aqui deixando todos os impactos dessa produção e evitando os altos custos de levar esse grande volume de commodities para os países consumidores de carnes.

Preparando-se para isso, em sua área de atuação, a Vale acaba de encomendar a produção de hiper navios graneleiros, com capacidade de 400.000 toneladas, como forma de reduzir custos unitários de transporte. Os navios serão fabricados na China (veja
aqui).

Para ler o artigo de Larry Rohter (em inglês) no New York Times clique
aqui

Obsessão pelo álcool provavelmente fez Brasil "capotar" na reta final da Rodada de Doha 01.08.08

01.08.08

Comentário do editor:

Articulistas e blogueiros parecem concordar, em boa parte, que a mudança de posição do país ao final da Rodada de Doha, da OMC, nesta semana que passou, em Genebra, precisa ser melhor explicada mas passa, certamente, pela obsessão governamental de ampliar o mercado internacional para o álcool brasileiro.

Alguns, como Paulo Nogueira Batista Jr. e Alon Feuerwerker, deixam claro que o insucesso das negociações acabou beneficiando o país, já que não se sabia o tamanho das concessões que estavam sendo negociadas. Para Alon,
"Índia e China cuidavam de brecar um acordo global que ameaçaria os pequenos agricultores e a indústria emergente de países que não se conformam com a permanência na segunda divisão da economia mundial. O Brasil é mesmo uma nação de sorte: se não sabemos zelar pelos nossos interesses, temos quem o faça por nós. Obrigado aos indianos e aos chineses." Ele deixa claro que "Progressivamente, a política externa brasileira vai se limitando a isto: uma busca obsessiva de mercados para o álcool de cana".

Para Clóvis Rossi, a mais nova "explicação" do Chanceler brasileiro sobre a mudança de rumos - de que o Brasil não poderia se tornar "refém" da Argentina -, que jogou no lixo todo um esforço de criação do G-20 e se colocar na liderança dos emergentes, é, no mínimo, duvidosa, pois:
"1 - O Brasil sempre foi refém da Argentina (como a Argentina do Brasil), desde que os dois, mais Paraguai e Uruguai, decidiram transformar o Mercosul em união aduaneira, embora imperfeita. ...
2 - Acontece que a diplomacia brasileira jamais usou a expressão "reféns" para designar a relação com a Argentina. Usava, até a semana passada, termo completamente oposto: solidariedade."

E agora, José? o que fazer? comentando a falta de um "Plano B", Míriam Leitão, em seu blog, lembra o que é preciso fazer:
"...[um] Outro importante passo seria fazer um grande esforço de modernização dos padrões ambientais e trabalhistas da agricultura brasileira. Para isso, seria necessário um ministro da Agricultura que entendesse que defender a agricultura não é ser cúmplice dos maus produtores, mas, sim, aliar-se aos mais modernos e elevar o padrão e as exigências. ....

Se os produtores brasileiros não respeitarem os modernos padrões trabalhistas e ambientais; não montarem sistemas de rastreabilidade para comprovar sanidade do rebanho, qualidade do produto, forma de produção, região do plantio; a agricultura brasileira enfrentará dificuldades. Protecionistas ou não, os mercados passarão a exigir certificados de sustentabilidade que a maioria dos produtores brasileiros não tem condições de apresentar. É a hora de a agricultura fazer o dever de casa, pois o jogo vai ficar mais pesado. E saiba a indústria brasileira que a redução das tarifas de importação virá. É só questão de tempo. Que se prepare para mais competição."

Será que isso está claro para o chamado "setor produtivo", em especial o agropecuário brasileiro?

Qual é o jogo que o Brasil está jogando na Rodada de Doha: quem perde e quem ganha? 29.07.08

29.07.08

Comentário do Editor:
Como proteger os 150 milhões de produtores chineses de algodão da desleal concorrência criada pelos altos subsídios que o governo norte-americano paga à sua produção interna?

Essa é uma das perguntas-chave, de Zhang Xiangchen, principal negociador do governo da China nas negociações da Organização Mundial do Comércio -OMC, em Genebra, Suíça, a chamada Rodada de Doha, e que certamente guia seus processos negociais.

Qual será a questão-chave que está permanentemente na cabeça do representante do governo brasileiro nesse encontro, que guia suas decisões de flexibilizar ou endurecer, a cada momento de negociação?

O ministro da Agricultura, Reinold Stephanes, já disse que em momento algum foi ouvido para auxiliar ou colaborar na formação da estratégia brasileira, que o presidente da República nunca o perguntou sobre o assunto, e qualquer decisão que seja tomada em Genebra pouco impacto deverá ter na agricultura brasileira.

O fato é que se está abrindo mão, enquanto Nação, de alguma coisa em troca de outra, ou outras, teoricamente em benefício de algum(ns) setor(es) e em prejuízo de outro(s). Em alguns pontos a economia brasileira vai ficar mais vulnerável à concorrência externa, e em outros se beneficiará com mais mercado externo ou mais competitividade no mercado nacional. Pessoas vão ganhar ou perder empregos.

Será que o Chanceler Amorim tem a mesma clareza que o representante chinês?

Seria ótimo que ele esclarecesse a todos nós o jogo que está jogando, quem ganha e quem perde. A única defesa explícita que tem feito é no sentido de ampliar o mercado para nossos novos heróis, os usineiros de álcool (ou etanol, para ficar moderno): não seria importante sabermos o que mais está sendo jogado, para acompanhar os lances e quem sabe, até mesmo fazer "torcida"?


Hora de fé numa ciência que se faz popular 25.07.08

25.07.08

Por Ricardo Abramovay

O desenvolvimento de uma ciência cidadã está entre as condições mais importantes para salvar a vida na Terra. O homem do jaleco branco, o professor Girassol das célebres aventuras de Tintin e Milou, a clausura do sábio que conhece tanto melhor quanto menos é perturbado por temas mundanos, esta imagem do cientista vai sendo substituída pelo engajamento não só na luta contra a destruição, mas, sobretudo, no esforço de envolver os leigos com a prática científica.

As fronteiras convencionais entre descrição, compreensão e gestão encontram-se completamente borradas. O motivo é simples: os 6 mil especialistas (dos quais a metade se encontra nos Estados Unidos) voltados a estudar a diversidade biológica do planeta levariam, segundo cálculos otimistas, cerca de quatro séculos para concluir sua tarefa. Até lá, a extinção teria adquirido tal dimensão que parte decisiva do patrimônio natural desapareceria sem que sequer pudéssemos nos dar conta de sua existência. As conseqüências dessa ignorância para nossa própria vida e, sobretudo, a de nossos descendentes imediatos, seriam catastróficas. Os resultados recentes do envolvimento do público profano com o esforço dos biólogos em reduzir seu desconhecimento com relação às diferentes formas de vida na Terra não são apenas científicos, mas constituem uma das mais eficientes formas de educação ambiental que universitários, ativistas e governos vêm levando adiante.

Faz apenas vinte anos que Edward Wilson cunhou a expressão "biodiversidade", hoje tão incorporada ao vocabulário cotidiano. Seu último livro, "A Criação - Como Salvar a Vida na Terra", tem a forma de carta dirigida a um pastor, propondo uma parceria. É bem verdade que as visões que emergem, respectivamente, das catedrais e dos laboratórios, sobre a origem da vida, são opostas: "Deus fez a criação, é o que o senhor diz", escreve Wilson. Já a ciência sustenta a idéia de que "a vida se fez a si mesma, por meio de mutações aleatórias e da seleção natural das moléculas codificadoras". Wilson é delicadamente implacável com a noção de design inteligente. Mas isso não o impede de propor um terreno comum, fundamentado no amor pela Criação, que move o cientista e o homem de fé. Como cientista, Wilson não descarta a possibilidade de que pesquisas futuras venham a destruir diversos andares do edifício construído por ele e seus colegas na tentativa de compreender a vida. Mas o que se sabe até aqui exige mobilização imediata e massiva, para a qual ciência e religião podem cooperar.

O panorama atual é muito diferente daquele traçado pelo precursor da classificação das diferentes formas de vida, Lineu, que, na décima edição do "Systema Naturae", em 1758, registrava 6 mil espécies vegetais e 4,4 mil espécies animais, um terço das quais vertebradas. O livro de Wilson coloca em destaque três conquistas intelectuais da biologia contemporânea, cujas conseqüências para a economia e a sociedade são cruciais.

A primeira se refere à magnitude da biodiversidade. Existe 1,7 milhão de espécies descritas, das quais 1,3 milhão são animais compostos por apenas 4% de vertebrados. O recenseamento atinge cerca de 10 mil novas espécies por ano e os especialistas estimam que o número de espécies deve variar entre 10 e 50 milhões, o que dá uma pálida idéia do tamanho da ignorância sobre o mundo natural. A esmagadora maioria desse manancial concentra-se nas áreas tropicais. Em 1982, uma equipe científica (devidamente autorizada) aplicou densa nuvem de um violento pesticida numa árvore da floresta amazônica (prática chamada de "fogging") e constatou, pelos insetos, aranhas e centopéias mortos e coletados, que seu número - em apenas uma árvore - era da mesma ordem de grandeza de todos os insetos conhecidos na América do Norte. Mas a diversidade envolve não apenas esses milhões de animais e plantas desconhecidos - alcança também o nível genético. A saúde de uma espécie depende, em grande parte, de sua variabilidade interna: aí é que se encontram os potenciais para responder a mudanças no meio ambiente. Wilson se preocupa especialmente com a tendência das sociedades contemporâneas para concentrar seus recursos alimentares em poucas espécies e nos riscos de monotonia genética derivados das atuais modalidades de progresso técnico na agricultura.

A segunda descoberta recente da biologia envolve a complexidade, o caráter dinâmico e a natureza emergencial dos ecossistemas. Espécies e genes não podem ser tratados como listas estáticas: mantêm relações complexas, cujo estudo constitui uma das mais avançadas fronteiras da atividade científica contemporânea. Para usar a expressão de Bernard Chevassus-au-Louis, do Institut National de la Recherche Agronomique, da França, o ecossistema é uma entidade "emergente", cujas propriedades não podem ser deduzidas daquelas que estão presentes nas espécies que o compõem. Não se refaz um ecossistema destruído, a partir de espécies e genes, como se obtém infinitamente a variação das cores com base em suas três unidades básicas. Esta constatação coloca o desafio básico da biologia da conservação, que não é o de um mundo natural intocável e imutável, mas, sim, o de preservar as propriedades evolutivas dos ecossistemas.

A terceira conquista intelectual colocada em relevo no livro de Wilson vai além da biologia e é de natureza prática. Desde a revolução neolítica, ele diz, "temos procurado nos elevar saindo da natureza, em vez de ascender rumo a ela". O flerte com o sagrado contido na frase não deve escamotear um dos mais férteis programas de pesquisa e de intervenção prática levados adiante na agricultura, na construção civil, na produção de energia e em áreas econômicas as mais diversas: trata-se, em última análise, de romper com um dos mais caros mitos da civilização ocidental, que consiste em opor, como termos antagônicos, natureza e cultura, meio ambiente e sociedade. Aprender com a natureza não consiste em lidar com uma entidade mágica e intocável, à qual se opõe uma outra que lhe é estranha e exterior, a sociedade. O diálogo com o mundo religioso sugere que "salvar a vida na terra" vai muito além daquilo que o conhecimento científico oferece e supõe, antes de tudo, uma ética que permita à ciência incorporar o cidadão comum e à economia, aprender com a natureza.

Ricardo Abramovay é professor titular do Departamento de Economia da FEA/USP, coordenador de seu Núcleo de Economia Socioambiental (NESA) e pesquisador do CNPq - www.econ.fea.usp.br/abramovay

Esqueceram da ferrovia transandina? 21.07.08

21.07.08

do Editor

É interessante ver como se ilude a população com "soluções" equivocadas para problemas mal formulados. Agora é o Ministério da Agricultura que se adianta e diz que a construção de uma rodovia ligando o Centro-Oeste brasileiro (aliás, diz o Porto de Santos, no Oceano Atlântico, em São Paulo) será a solução para as nossas exportações de grãos e outros produtos agrícolas para os mercados asiáticos e da Oceania.

A novidade era que essa ladaínha, antes, era apenas do Ministério dos Transportes.

O transporte rodoviário para transpor as montanhas andinas será bastante caro, sem dúvida alguma. Mas o importante nisso é que a estrada vai ser construída por empreiteiras brasileiras, o resto é bobagem. Se vai ou não economizar frete com relação aos 7.000 quilômetros que dizem vão ser economizados no transporte oceânico, essa conta fica para depois.

Enquanto isso, continua mofando nos arquivos do Ministério dos Transportes o Projeto Libertadores, iniciado em julho de 1989 por iniciativa do governo da Espanha, e que se propunha a interligar e renovar toda malha ferroviária existente ao sul do Perú, com a malha brasileira, argentina e boliviana, de tal forma a permitir um acesso ferroviário das regiões centrais do continente sul-americano aos portos existentes no Oceano Pacífico. A proposta era, também, uma interligação do Atântico com o Pacífico, via ferrovia.

O governo espanhol depositou 500 milhões de dólares, em 1989, no Banco Interamericano de Desenvolvimento, para garantir a execução do projeto. Esse dinheiro ficou lá mais de cinco anos à espera de iniciativas dos governos locais, e depois a Espanha o destinou a outras aplicações.

Agora, temos a rodovia sendo construída. Será que as empreiteiras não podiam fazer as ferrovias? não se interessaram? A Valec foi em frente com a Ferrovia Norte-Sul, e ao que parece vai ser bem competitiva com outros modais de transporte. Será que não é um bom negócio construir ferrovias?


Diretor do MMA pede demissão por crescente isolamento do ministério dentro do governo 14.07.08

14.07.08

Comentário do editor:

Confirmando o que este Observatório vem analisando ao longo do corrente ano, o Ministério do Meio Ambiente está cada vez mais
ignorado nas decisões do governo Federal.

Na sexta-feira passada, dia 11.07, o diretor de ações para Amazônia do Ministério de Meio Ambiente, o advogado André Lima, pediu demissão em carta dirigida ao ministro Carlos Minc.

"
Lima considera que o centro do governo tem conduzido nos últimos meses a questão amazônica com ambiguidade e colocando o MMA "cada vez mais isolado".

Lima fora o inspirador e coordenador das medidas tomadas desde ano passado em relação ao desmatamento. Com um passado de ativista respeitado no Instituto Socioambiental e uma "credibilidade profissional" a defender, ele faz questão de deixar claras e inequívocas as razões de sua saída, avisando que deseja prevenir quaisquer interpretações a respeito. Lista de forma objetiva as razões de sua saída, mostrando inconformidade com a ida a Noruega do ministro Mangabeira para discutir o fundo idealizado pelo MMA, assim como o adiamento da divulgação dos dados do sistema DETER do INPE."
Fonte: amazônia.org.br

Em sua carta, o advogado com mestrado em Direito Ambiental classifica o governo como "flácido e ambíguo", especialmente na área que estava sob sua responsabilidade, a Amazônia.

Como também já observado aqui, nesse espaço, o Ministro Minc aceitou o cargo já sob péssimas condições políticas e estritas ordens do presidente da República de não confrontar-se com governadores, com colegas de ministério e, certamente, com políticos da base aliada, pois estamos em ano de eleições municipais.


Hoje, o ministro ocupará os espaços na mídia com o primeiro leilão de "bois piratas", criação de sua gestão, amanhã pode ser a vez, novamente, das usinas nucleares, ou quaisquer outros motivos que encontrar. Tem que fazer figuração fora, pois no governo o MMA já não conta para nada, nem mesmo para a imagem externa, que era a principal serventia da ex-ministra.

Leia a íntegra da carta de André Lima clicando
aqui.

El regreso del desarrollo rural 11.07.08

11.07.08

Para enfrentar los cambios radicales en la agricultura latinoamericana
Por Eduardo Gudynas

Estamos enfrentando drásticos cambios en el mundo rural. Las viejas perspectivas no son siempre adecuadas, ya que están ocurriendo profundas modificaciones en la producción agrícola, el papel del Estado, la coyuntura internacional y el papel de los actores sociales. No son cambios de grado, sino que en realidad está ocurriendo una transformación sustancial que afecta negativamente en especial a los pequeños agricultores y campesinos.

Las reformas de mercado que tuvieron lugar en las décadas de 1980 y 1990 liberalizaron el comercio agrícola en casi todos los países, y desmontaron muchas medidas de protección y apoyo estatal a los pequeños productores y a los mercados nacionales de alimentos. Las agencias gubernamentales de extensión rural fueron reducidas, mientras se aplicaban paquetes tecnológicos promovidos desde el sector privado. La producción apuntó cada vez más hacia las exportaciones y las agroindustrias cobraron un papel protagónico.

Simultáneamente no sólo tuvo lugar una crisis de los estudios sobre el desarrollo, sino que los enfoques en cuestiones rurales dejaron de ser un tema relevante o eran tildados de anticuados. Esta situación es tan dramática, que pocos meses atrás, la ministra de agricultura de Chile afirmaba que poco sabía sobre los temas rurales, pero eso no era importante en tanto lo que el campo necesitaba era un gerente. Tiempo atrás esas declaraciones hubieran resultado escandalosas, pero hoy no despiertan una mayor desaprobación pública.

La coyuntura internacional también cambió. Comencemos por señalar que nos encontramos en lo que se describe como un super-ciclo de las materias primas (commodities), donde se espera por lo menos una década de altos precios de los agroalimentos. Esto se debe a factores como la demanda desde China y otros países de Asia o a la especulación generada por fondos de inversión de los países industrializados.

Simultáneamente avanza un cambio más radical en las relaciones entre la propiedad de la tierra y su manejo en varios países, especialmente en el Cono Sur. Se diseminan convenios de arrendamiento o de gestión, por el cual un agricultor empobrecido o endeudado cede el control de su tierra. Llegan administradores rurales que aplican paquetes tecnológicos volcados hacia los rubros de mayor rentabilidad, controlan decenas o centenas de predios y cubren diferentes regiones agroecológicas. Exprimen los recursos naturales del suelo en tanto esos convenios duran unos pocos años, y una vez que los rendimientos caen simplemente se trasladan a otros predios. Esto representa otro cambio radical, donde la propiedad de la tierra como factor determinante es superada por un control sobre los procesos productivos. El capital hace que se impongan nuevos estilos de producción y comercialización.

A pesar del aumento de algunos productos agropecuarios, el encarecimiento de insumos como fertilizantes y combustibles hace que los márgenes de rentabilidad se reduzcan. Este fenómeno también golpea particularmente a los agricultores más pequeños, y bastan acotadas fluctuaciones de mercado o pérdidas de cultivos por pestes, sequías o inundaciones, para que vuelvan a caer en el endeudamiento. En esa situación deben vender sus tierras o ceden el control de su gestión a estos nuevos “administradores” rurales.

Los que sobreviven quedan atrapados en una lucha por el excedente que se origina en el campo. Los debates de unos diez años atrás enfocados en el acceso a los mercados de exportación y el deterioro de los términos de intercambio han sido reemplazados por tensiones y conflictos en cómo aprovechar esta bonanza comercial. Esas tensiones atrapan a todos: los agricultores, las grandes empresas, y los propios gobiernos.

Estos cambios son de tal envergadura que los actores rurales se organizan de nuevas maneras, impensables bajo las viejas categorías. El conflicto que mantienen en Argentina los productores agropecuarios y el gobierno de Cristina Kirchner ejemplifica las nuevas dinámicas. Allí protestan codo a codo los pequeños agricultores junto a grandes hacendados y empresarios. Se ha dicho que esa reacción expresa la voz de la oligarquía o del patriciado rural, pero esas definiciones no reflejan adecuadamente esa nueva vinclación. “No nos une el amor, sino el espanto ante el gobierno”, repite uno de los dirigentes de los agricultores familiares como explicación de la vinculación de su organización con los grandes hacendados conservadores. Están en marcha nuevas alianzas en el medio rural que tiempo atrás eran impensables, donde por un lado se usan mecanismos de protesta de los movimientos populares, pero por otro lado no se aborda la esencia del estilo de desarrollo rural, sino que la lucha radica en la apropiación de la riqueza que genera el campo.

Entretanto entre los gobiernos existen muchas dificultades para generar una nueva estrategia de desarrollo rural. Esto se debe a que la agricultura actual es funcional a la presente dinámica del Estado. Por ejemplo, en Argentina si bien ahora se cuestiona la “sojización” del campo, durante la gestión de Néstor Kirchner tuvo lugar el mayor aumento de la producción sojera: creció de un poco más de 31 millones de toneladas, en 2003/04, a más de 47 millones ton en 2006/07 (un incremento de casi el 50%). Se promovió ese monocultivo, ya que el aumento en esas exportaciones permitía recaudar más impuestos para financiar el gasto gubernamental.

Las medidas de apoyo que se anuncian también tienen muchas limitaciones. Recientemente se implantaron en Argentina compensaciones a los agricultores. Pero su examen demuestra no solo que el valor total de ese fondo es modesto, sino que además aproximadamente un 70% se destinó a la agroindustria (concentrado en unas pocas empresas), y apenas un 30% alcanzó a los agricultores. Entretanto, en Ecuador, el presidente Rafael Correa presentó un paquete de asistencia para la agricultura y los alimentos por un total de US$ 415 millones, pero lastimosamente casi el 70% está destinado a subsidiar agroquímicos (US$ 287 millones). Estos son ejemplos de las dificultades de los gobiernos progresistas en generar otro estilo de desarrollo agropecuario, ya que de una y otra manera vuelven a caer en apoyar a las agroindustrias. Tampoco deben olvidarse los programas de apoyo a los agrocombustibles, que empeoran la situación en el mismo sentido, al acentuar la dependencia del comercio exterior y ocupar tierras que podrían dedicarse a proveer alimentos.

La integración regional podría brindar algunas alternativas para recuperar autonomía frente a las presiones económicas internacionales. Pero en ese frente tampoco hay novedades auspicios ya que ese tema sigue siendo marginal en el seno de la integración regional. Por ejemplo, el MERCOSUR que como bloque es uno de los más grandes agroexportadores del mundo, carece de una política agropecuaria común y tampoco coordina su oferta comercial internacional, y de hecho los países compiten entre ellos.

Afectados por todos estos factores, una vez más los pequeños productores y los campesinos quedan marginados y olvidados. Muchos apoyos financieros en realidad terminan en el sector agroindustrial, mientras que las medidas sociales compensatorias apenas logran paliar los efectos negativos de estos procesos. Si continúan estas tendencias se corre el riesgo de la desaparición de buena parte de la agricultura familiar, mientras que la agricultura campesina quedará atrapada en la pobreza y la subsistencia, dependiente de las oportunidades de algunos mercados locales o de la caridad social. Debemos reconocer que esta problemática es todavía más grave que en el pasado, y no enfrentamos problemas coyunturales o de grado, sino que se están desarrollando cambios que son sustanciales y radicales. Por ello las medidas parciales y aisladas son insuficientes. Es necesario volver a discutir sobre el desarrollo en general, y sobre el desarrollo rural en particular, para generar cambios y alternativas muchos más profundos y abarcadores, bajo nuevas miradas, y que además deberán ser radicales.


- E. Gudynas é pesquisador do CLAES (Centro Latino Americano de Ecología Social), em Montevidéu (Uruguai).

22 anos depois, o governo brasileiro retoma a política de estoque de alimentos 07.07.08

07.07.08

Demanda mundial crescente e preços em alta estimulam medida, diz Mantega

Iniciativa também visa reduzir especulações em negociações de contratos futuros, pois investidores usam baixos estoques para puxar cotações
Comentário do Editor:

Depois de abandonar a política de estoques reguladores em 1986, no governo Sarney, por pressão do Banco Mundial, o governo brasileiro volta ao assunto, e aparentemente se organizará para recolocá-la em prática. E pelo que tudo indica, os organismos financeiros internacionais, entre os quais o Banco Mundial, passarão a recomendar a adoção de estocagens de alimentos para tentar fazer frente à avassaladora onda especulativa que jogou os preços dos alimentos nas alturas.

Para saber mais sobre o abandono dos estoques reguladores pelo governo Sarney, e muito mais coisas sobre as políticas agrícolas de então, veja estudo que coordenei em 1994, na Fundação CEBRAC, intitulado "Produção de Estudos e seus Efeitos na Política Agrícola" (1994).

Este trabalho resultou de um Convênio entre Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e a Fundação CEBRAC. Seu objetivo principal foi fazer um monitoramento final dos efeitos das pesquisas financiadas com recursos da Parte C do Empréstimo BIRD 2727 - BR na determinação das Políticas Públicas Agrícolas. Este projeto teve como finalidade embasar o governo brasileiro na definição de políticas agrícolas. Os recursos foram gerenciados inicialmente pelo Ministério da Fazenda, e na fase final, pelo IPEA em convênio com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).

A análise feita pelo CEBRAC foi concluída em julho de 1994, tendo sua versão final em 1995.

Para baixar o estudo, em Acrobat.pdf, vá à seção Documentos clicando aqui e faça o download

A notícia a que o comentário se refere

"Apesar dos conselhos para aumentar o superávit primário e restringir ainda mais o crédito, o presidente Lula avalia que, por enquanto, não é necessário aprofundar medidas nessa área. Mesmo assim, determinou a sua equipe que elabore outras propostas para conter a inflação -entre elas, uma política de estoque de alimentos.

O governo espera gastar de R$ 4 bilhões a R$ 5 bilhões para elevar os estoques de arroz, feijão, milho e trigo para 6 milhões de toneladas. O valor varia porque o governo ainda não sabe por quanto tempo comprará os produtos. Hoje, os estoques desses alimentos estão em 1,59 milhão de toneladas.

O ministro Guido Mantega (Fazenda) disse à Folha que o governo decidiu refazer sua política de estoques reguladores diante da nova conjuntura mundial, de demanda crescente e preços em alta.

"O mundo inteiro deixou de ter estoques. Estamos com os mais baixos estoques mundiais de trigo e milho", afirmou, acrescentando que hoje o governo só tem um estoque recente regulador de arroz.

Segundo Mantega, o ideal é que tanto o governo como o setor privado busquem formar estoques de alimentos para evitar grandes oscilações de preços e perdas para os produtores rurais caso sua cultura apresente um momento de desestímulo nos preços.

A Folha apurou que a iniciativa também visa reduzir as especulações em negociações de contratos futuros. Isso porque a maioria dos investidores utiliza os baixos estoques para puxar as cotações para cima.

Esse aumento possui dois reflexos imediatos. Por um lado, estimula a plantação de algumas culturas, mas, por outro, torna o mercado volátil e dificulta ações do governo, porque há reajustes de preços para o consumidor, provocando impacto nos índices de inflação.

Por determinação de Lula, as medidas estão sendo estudadas pela equipe do ministro Reinhold Stephanes (Agricultura). Elas serão implementadas pela Conab neste e no próximo mês e, depois de fevereiro de 2009, por conta de previsões de colheita.
Fonte: Valdo Cruz e Iuri Dantas, Folha de São Paulo (para ler a notícia na íntegra, para assinantes da Folha e do UOL, clique
aqui)

Contra "agflação", G8 quer mais estoques

Cúpula dos países ricos vai propor a criação de método de estocagem de grãos para tentar a estabilização de preços

Se líderes concordarem, um grupo de especialistas será criado para discutir detalhes do plano, incluindo cotas para cada país participante

Se não há acordo no G8 para uma atuação ambiciosa em relação a um problema de médio prazo, como é a mudança climática, menos ainda se pode esperar algo forte em um tema muito mais urgente -o da disparada dos preços do petróleo e dos alimentos.

Até agora, o passo mais eficaz que os negociadores decidiram levar à consideração dos líderes diz respeito à criação de um mecanismo de estocagem de grãos para tentar estabilizar os preços quando necessário.

Seria, de acordo com o jornal "Asahi Shimbun", um modelo similar ao da Agência Internacional de Energia, pelo qual se faz um estoque de petróleo como "colchão" para crises energéticas. No momento, apenas Japão e Alemanha, entre os países do G8, têm sobra de grãos em estoque, certamente porque foram vítimas da fome na esteira da derrota na Segunda Guerra Mundial (1939/45).

Se os líderes concordarem com a proposta de seus técnicos, o G8 criará um grupo de especialistas que discutirá detalhes do plano, incluindo cotas para cada nação participante, um sistema de gerenciamento dos inventários e os canais pelos quais os grãos seriam liberados para o mercado.
.....
Outro fator relevante -e polêmico- é a especulação com alimentos nos mercados futuros. Mas enfrentá-los é tema tabu no G8 e na maior parte do mundo.

Tanto que o documento final da cúpula de Hokkaido se limitará, pelo menos de acordo com o esboço vazado para a mídia japonesa, a expressar "preocupação" com o excessivo influxo de fundos especulativos nos mercados de alimentação. E ainda acrescentará que "os mercados devem ser abertos e eficientes", linguagem cifrada para garantir que os governos não vão interferir com o livre funcionamento dos mercados.

Reforça Tomohiko Taniguchi, subsecretário de Imprensa do Ministério japonês de Relações Exteriores: "Que os governos devem influir nos mercados é fácil de dizer e difícil de fazer".
.......
Produção e consumo

A resposta do G8 é a óbvia e antiga teoria da oferta e demanda: pedirá aos países produtores que elevem a produção e, aos consumidores, que reduzam o consumo e que usem fontes alternativas de energia.

É aqui que entra o Brasil: "fontes alternativas" é uma expressão que engloba, entre outros, os biocombustíveis. Um deles, o álcool derivado da cana-de-açúcar é uma especialidade brasileira, que, no entanto, enfrenta um problema de imagem por estar sendo misturado no mesmo saco do etanol de milho dos EUA -e este, de fato, reduziu a oferta de milho para alimentação, com a conseqüente alta dos preços.

O G8, como em outros temas, fica numa declaração genérica. Dirá que o uso de biocombustíveis derivados de grãos deve ter um enfoque equilibrado entre a produção [para combustível] e a segurança alimentar, se estiver correto o esboço que vazou para a mídia local.

Está muito longe do aval amplo que o presidente Lula vem buscando nos foros internacionais de que participa.

Fonte:
Clóvis Rossi, enviado Especial da Folha a Tóquio Para ler texto completo de Rossi, clique aqui (para assinantes da Folha e do UOL)

Amazônia é dos grileiros 27.06.08

27.06.08

Incra não sabe o que existe em 14% da Amazônia, soma da área de SP, PR e RS
Comentário do editor:

No dia 19 pp, com base em fatos noticiados, comentei que a Amazônia pertence aos grileiros, não aos brasileiros (que respeitam as leis nacionais).

Hoje, reportagens de Eduardo Scolese e Marta Salomon, na Folha de São Paulo (veja íntegra
aqui, para assinantes da Folha e do UOL), divulgam documento do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) que constatou não ter qualquer informação sobre 14% da região Amazônica, área que equivale a soma dos Estados de São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul.

São 710 mil quilômetros quadrados, duas vezes a área da Alemanha, o centro do buraco negro da
BraBoUay, onde não vigoram a Constituição e as leis brasileiras, onde não existe um Estado Nacional, e de onde sai produção de madeira, grãos e gado livremente comercializados no resto do país e com grande possibilidade de até mesmo estarem sendo exportados "legalmente"...

Só no Estado do Pará, o Incra desconhece no que se passa em terras legalmente sob sua guarda em dimensão equivalente ao Estado do Rio Grande do Sul. No Amazonas, uma situação um pouco melhor, o Incra não sabe nada sobre área igual a meio RS.

Quem está se apossando do patrimônio público, dos nossos recursos naturais (e os destruindo), e a quem vêm servindo esses grileiros, só o tempo e o prosseguimento do trabalho do Incra poderão revelar.


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Uruguai reclama que importadores exigem muito de suas bananas 25.07.08

25.07.08

Uruguai entra na onda do governo brasileiro

Comentário do editor:

Seguindo a trilha do governo brasileiro, que quer impor limites às exigências de empresas privadas e colocá-las sob o império da Organização Mundial do Comércio (OMC), o governo do Uruguai, segundo noticiou o jornal Valor Econômico, em sua edição de ontem, "tomou a iniciativa de propor que o Comitê de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias (SPS) estabeleça um grupo de trabalho para examinar as certificações privadas nessa área, por exemplo, na importação de banana, diante de exigências crescentes que aumentam custos para exportadores".

Segundo relata esse jornal, "As exigências estão crescendo, e isso nos preocupa na falta de respaldo científico", diz Célio Porto, secretário de Relações Internacionais do Agronegócio, do Ministério da Agricultura. "Tem muitas certificações de supermercados estimuladas por produtores locais que difamam produção estrangeira".

Será que é falta de "respaldo científico" exigir que as leis brasileiras sejam cumpridas pelos produtores em nosso país, ou que não se desmate mais já que, segundo afirmado diversas vezes pelo presidente da República, pelos ministros do Meio Ambiente e da Agricultura, e pela Embrapa, não é preciso derrubar uma só árvore para aumentar e muito a produção brasileira de grãos, de álcool, etc? Só o Cerrado teria mais de 50 milhões de hectares de terras que poderiam ser adicionadas à produção, e que se encontram abandonadas por serem pastos degradados, ou estão à espera de valorização no mercado.

Essa maneira de tentar desqualificar os argumentos, dizendo que não há "respaldo científico" é coisa velha, do século passado, e que não faz sentido diante das exigências que os grandes compradores do agronegócio brasileiro têm timidamente colocado, basicamente o cumprimento das leis brasileiras que o Estado nacional não consegue fazer vigorar no imenso
BraBoUay que existe em quase a metade de nosso território.

E finaliza a notícia do Valor: "
Na semana que vem, o Brasil deverá impulsionar o tema na reunião da Comissão do Codex Alimentarius, em Roma. Essa comissão, criada em 1963 pela FAO e Organização Mundial da Saúde (OMS), elabora normas alimentares e promove práticas leais no comércio de alimentos."

O Uruguai vai falar de suas bananas (nem sabia que as produziam e exportavam, e pelo jeito deve ser um componente importantíssimo em seu comércio exterior), o Brasil vai falar de quê? a McDonalds inglesa não quer alimentar seus clientes com produtos resultantes do desmatamento da Floresta Amazônica! que barreira não tarifária absurda. A Wal-Mart não quer comprar de produtores que utilizam ou utilizaram trabalho escravo ou infantil! outro absurdo, isso não existe no Brasil! é apenas uma desculpa para "difamar" nossa produção!

Mas, caros leitores, o que me impressionou mais, ontem, foi esse assunto praticamente não existir, não aparecer (à exceção da matéria acima transcrita, do Valor Econômico) na grande mídia e, por outro lado, não haver reação imediata por parte das organizações socioambientais que lutam para inscrever nas relações comerciais e de importação/exportação critérios que levem em conta as condições ambientais, trabalhistas, a legislação vigente e algumas coisas mais.

Governo brasileiro pede na OMC imposição de regras empresas 24.06.08

24.06.08

Comentário do editor:

O governo brasileiro agora quer impor regras às sociedades civis de outros países que, organizadas e com maior consciência ambiental e social, pressionam suas empresas para que adotem comportamento e padrões éticos de compra compatíveis com o estado do planeta, o avanço das relações sociais e os direitos humanos.

Não é que o Ministério das Relações Exteriores entrou com um pedido na Organização Mundial do Comércio (OMC) para que as
empresas privadas sejam proibidas de adotar regras próprias de compra, de seleção de produtos, de características da forma de produzir e de fornecedores? Pode? Uma vergonha! diria enfáticamente famoso apresentador de telejornais.

Vejam o que relata o excelente correspondente do jornal O Estado de São Paulo em Genebra, Jamil Chade (os negritos são meus):

"Brasil quer regras para importação por multinacionais
Genebra - O Brasil se lança em mais uma guerra contra barreiras aos produtos agrícolas. Desta vez, o alvo não são as tradicionais tarifas governamentais, mas
as novas condições de importação impostas por supermercados internacionais, multinacionais do setor de alimentação e redes de restaurantes. Hoje, o Brasil pediu na Organização Mundial do Comércio (OMC) que regras sejam criadas para impedir que essas redes estabeleçam suas próprias regras de comércio, violando as leis e padrões internacionais.

Os governos europeus alegam que não têm como forçar empresas como a Nestlé e outras a seguirem os padrões internacionais e que eles teriam a liberdade de impor condições mais duras em termos fitossanitários. Mas,
para o Itamaraty, é papel dos governos dos países ricos de fato impedir que barreiras do setor privado se proliferem. "Esse será um tema quente nos próximos anos", admitiu um negociador francês.

Os exemplos de novas exigências de fato vêm crescendo. Empresas de distribuição internacional, como Wal-Mart, Carrefour, empresas de alimentos ou restaurantes vêm estabelecendo seus próprios critérios sobre o que estão dispostos a comprar. Exigências fitossanitárias, ambientais, trabalhistas e sociais passam a fazer parte dos critérios de compra dessas multinacionais."

Ora, o governo brasileiro não consegue impor as leis nacionais aos produtores -pessoas físicas e jurídicas - em grande parte do início da cadeia do agronegócio, pois estima o governador Maggi que seu Estado (o Brabouay -um "buraco negro" legal que fica no noroeste do Brasil limitando-se especialmente com a Bolívia e o Paraguay) deve abrigar cerca de 10 milhões de bois "piratas", em áreas ilegais, e quando as multinacionais -depois de muita pressão social - passam a exigir que essas leis sejam cumpridas, o Itamaraty vai reclamar na OMC???

Quando a McDonalds exige da Cargill que não forneça soja produzida por desmatamento na Amazônia - e o governo brasileiro, da boca para fora, diz que quer proteger a floresta amazônica - e que além disso as leis trabalhistas, sociais e ambientais brasileiras sejam respeitadas, o país, representado por seu governo de plantão, vai pedir "proteção" à OMC?

Porque os representantes do governo brasileiro não foram se queixar ao Papa?

Maggi diz na Câmara que MT tem 10 milhões de "bois piratas" 20.06.08

20.06.08

e ocupam 110 mil km2 de território que só pode ser a
Brabouay

Comentário do Editor:
Qual será esse país, que tem como governador o sr. Maggi? as leis brasileiras lá não vigem, portanto o território não deve fazer parte do Brasil. Seria o Brabouay? (parafraseando Edmar Bacha em seu BelÍndia). Vejam o que declarou ontem, em plena casa que representa o povo brasileiro, e responsável, juntamente com o Senado, por criar as leis do país:

"O governador Blairo Maggi, na audiência pública da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável sobre o desmatamento na Amazônia, ontem (19) na Câmara dos Deputados, estimou que os "bois piratas" totalizem 10 milhões no Mato Grosso. O Estado tem hoje 26 milhões de cabeças de gado em uma área de 28 milhões de hectares. Segundo ele, se o governo apreender essa quantidade de gado, isso vai afetar o preço da carne nos supermercados.

Ou seja, 38% do gado em Mato Grosso é criado por pecuaristas que estão fora da lei brasileira. Como perguntei no comentário de ontem, como é que pode tamanha ilegalidade existir dentro de um Estado nacional, pois usando a mesma proporção indicada pelo governador de Brabouay eles devem estar ocupando uma área desmatada de 11 milhões de hectares: isso equivale a 110 mil quilômetros quadrados! Quase a metade do Estado de São Paulo, maior que Rio de Janeiro e Espírito Santo, juntos. Não dá para passar despercebido ao longo dos anos.
E tem mais, segundo matéria da Agência Câmara:


"Certidão ambiental
O governador reafirmou que é necessário um prazo maior para os produtores se enquadrarem na exigência de apresentação de "nada consta" em relação a passivos ambientais. O documento será exigido a partir de 1º de julho como um requisito para a obtenção de crédito. Esse prazo consta de portaria editada pelo Conselho Monetário Nacional.

Blairo Maggi propôs que se mantenha a proibição de crédito somente para novos empreendimentos e se permita o acesso para as atividades que estão em funcionamento. Ele lembrou que o licenciamento ambiental é um processo lento e depende da regularização fundiária."
Fonte: Mônica Montenegro/Agência Câmara, extratos da matéria pelo Observatório

Toca-se na questão da regularização fundiária, en passant, já que é pressuposto básico para o licenciamento. Creio que o maior nó está aí, pois provar que é dono da terra que explora para produzir grãos ou criar gado não será tarefa fácil, ao que tudo indica, em Brabouay.

Amazônia pertence aos grileiros, não aos brasileiros 19.06.08

19.06.08

Comentário do Editor:

Ficam os hiper-nacionalistas e, entre eles, os militares, preocupados com uma possível internacionalização da Amazônia, com o que acham ser a "cobiça internacional" querendo incentivar etnias indígenas a criarem territórios independentes, e teorias conspiratórias de toda ordem.

Sugiro que façam uma visita ao Departamento Nacional de Produção Mineral -DNPM, órgão do Ministério das Minas e Energia, e verifiquem quais são as empresas que já requereram direito de pesquisa e lavra dos minerais existentes no subsolo da Amazônia. Creio que todo esse território deve estar concedido -e certamente são poucas as empresas genuinamente nacionais que obtiveram outorgas - e ainda tem fila de espera. Até territórios indígenas estão devidamente mapeados e requeridos.

Isso ao que se refere ao subsolo, constitucionalmente pertencente à União.

Já o solo, quando não é terra indígena devidamente demarcada e por eles protegida, está mais para os grileiros que para legítimos proprietários ou a União.

Como é que pode uma pessoa desmatar 4.000 hectares de floresta, o que não se faz da noite para o dia, e só três anos depois de fazer esse "servicinho" ser autuada, como mostra a
notícia de hoje? como alguém faz isso dentro de uma terra indígena (mesmo considerando que o texto divulgado é meio dúbio, não dá certeza quanto a isso...)?

Somando isso a outras notícias já comentadas aqui anteriormente, como o impedimento, em Mato Grosso, do direito constitucional de ir e vir a membros de uma ONG, as ameaças a fiscais do Ibama, o fato de que, segundo o presidente da Aprosoja (que reúne os produtores de soja de Mato Grosso)
apenas 4 mil das 120 mil propriedades rurais do seu Estado operarem seguindo as leis nacionais (e daí a maioria delas não ter chance de conseguir atender os critérios baixados pela resolução do Conselho Monetário Nacional, que só permite empréstimos a quem cumprir as leis), o problema real é a inexistência do Estado brasileiro. Isso, a cada dia, fica mais evidente e mais desafiador.

O controle de algumas favelas cariocas pelos traficantes e milícias, onde também o Estado Nacional não existe, é café pequeno diante da imensidão amazônica sem Constituição e sem lei, onde o mais forte e mais esperto prevalece, inclusive pela força das armas (como no Rio de Janeiro, mas em escala ampliada), onde a vida humana vale pouco ou nada.

E os recursos naturais, em especial as árvores da floresta - patrimônio natural nacional - vai sendo exaurido, explorado em benefício desses poucos, pessoas que deliberadamente desconhecem o que determinam a Constituição e as leis, e mais ainda as autoridades encarregadas de aplicá-las, e continuam agindo à revelia das decisões tomadas no Planalto Central.

Não será preciso ação de nenhuma potência estrangeira para que percamos nossa Amazônia: a inação do governo, frente à prepotência de uns e a grilagem de outros já será suficiente para que a devastação prevaleça e ela se acabe.

Mas em declaração na Câmara dos Deputados, ontem, o ministro da Justiça, Tarso Genro,
assegurou que "O governo vai reverter integralmente a soberania do País no controle da Amazônia". Vamos torcer para que isso aconteça rapidamente, caso contrário nada sobrará para atrair a cobiça, seja de brasileiros ou estrangeiros.

Preocupação com o "bem comum" ainda não chegou à cadeia da soja 18.06.08

18.06.08


Comentário do Editor:

Ontem tratei rapidamente de como se chegou à "decretação" da moratória da soja na Amazônia. Hoje, ela foi prorrogada por mais um ano, depois de dois anos bem sucedida, mas deixando um travo amargo na boca de quem, como eu, acompanha o assunto desde que era apenas um desejo (mais amplo, é bom ressaltar, pois incluía o Cerrado).

Porquê isso? perguntará o nobre leitor. Não foi uma outra vitória, conseguir mais um ano?

Claro que sim, são 365 dias a mais de compromisso das maiores compradoras de soja no Brasil, de que não aceitarão grãos produzidos em áreas da Floresta Amazônica desmatadas após agosto de 2006. É, sem dúvida alguma, outra vitória.

Mas porquê essa amargura? volta você a perguntar.

Esse sentimento brota do fato de que, na minha percepção, isso ocorreu e continuará ocorrendo por mais um ano apenas porque as empresas européias clientes dessas
traders continuam firmes exigindo a moratória.

Não sinto que os dirigentes das
traders e suas associações no Brasil, apesar de serem pessoas muito inteligentes e bem educadas, tenham entendido ou apreendido (melhor seria aprendido?) o sentido de suas ações, de seu possível impacto no comportamento da sociedade e de seus fornecedores, de seu efeito educativo, em geral. Limitaram-se a atender a uma demanda de seus principais clientes, sem refletir muito sobre o que estavam fazendo quase que burocraticamente.

Agora, ao invés de prosseguir com a moratória, eles desejavam passar a comprar soja de áreas legalmente desmatadas na Amazônia, e isso, na realidade, seria abandonar a moratória que visa resguardar a floresta de mais desmatamento - que certamente será acelerado com os altos preços das
commodities agrícolas.

Não é preciso moratória alguma para aplicar a lei. Esse instrumento é uma decisão autônoma e decidida para resguardar algo que a própria lei não consegue fazer, como dilatar prazos de dívidas para que o devedor possa se recuperar e quitá-las, etc.

Mudaram de posição, segundo informações, depois de um telefonema do ministro do Meio Ambiente, e concordaram em prorrogar a medida por um ano mais. O que foi conversado, qual foi a barganha ou o poder de persuasão do ministro, ninguém ainda sabe.

E não sei se é ainda pior ver a ligeireza com que o ministro diz que vai transpor a moratória da soja para madeireiras e frigoríficos. Certamente não tem a menor idéia das dificuldades enfrentadas, da imperiosa necessidade do setor se ver espremido entre a opinião pública e seus principais compradores, pois sem isso não há empresa privada que abra mão de um centavo de lucro.

Parece até que para ele tudo se decide em uma rodada de
chopp na mesa do bom e velho Lamas (ainda existe?), no Rio de Janeiro.

Moratória da soja na Amazônia é prorrogada 17.06.08

17.06.08
após dois anos de sucesso: agora falta incluir o Cerrado
Comentário do Editor:
Difícil, em todo seu percurso, as partes envolvidas caminhando em fio de navalha, desde o começo, e criticada por todos os lados, a Moratória da soja na Amazônia chega ao seu segundo ano e vai valer por mais um tempo.

Declarada unilateralmente pela Abiove e Anec, em nome das empresas que as compõem, resultou na realidade de uma articulação de ONGs e pesquisadores brasileiros que deu suporte à ação efetuada pelo Greenpeace em Londres. Isso fez a opinião pública pressionar grandes compradores de soja e seus produtos, a McDonalds e a KFC. Estes, por sua vez, cobraram das traders fornecedoras de soja, e dentro da pauta de reivindicações apresentada pelo Greenpeace houve a decisão das citadas associações pela moratória.

Um primeiro passo que se consolida, depois de muitas dúvidas que a verificação do monitoramento esclareceu e mostrou sua viabilidade, um trabalho que todas partes envolvidas merecem os parabéns.

Agora, além de consolidar o trabalho na Amazônia, deve ser dado o passo seguinte para aplicá-la no Cerrado, que pede um urgente socorro. Uma frase que venho falando nos últimos oito anos, que o governo adotou recentemente, aplica-se também ao Cerrado: não é preciso destruir mais áreas de Cerrado para aumentar a produção, não é preciso cortar uma só de suas tortas árvores para triplicar a produção brasileira de soja ou o que for.

Creio que esse trabalho na Amazônia conseguiu, também, reduzir o peso do estigma da palavra "moratória" entre os comerciantes e produtores de grãos, e podemos voltar a falar: Moratória para o Cerrado, já!

Setor prorroga moratória da soja para preservar Amazônia

A Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) anuncia hoje, em Brasília, a prorrogação da chamada Moratória da soja na Amazônia. Trata-se de um compromisso das indústrias de não comprar soja de áreas desflorestadas na Amazônia após julho de 2006. A decisão da Abiove foi tomada pela primeira vez em julho de 2006, com validade de dois anos.

Na ocasião, o setor também se comprometeu a trabalhar em conjunto com entidades representantes da sociedade civil, como Organizações Não Governamentais (ONGs) ambientais e sociais, para adotar uma estrutura de governança com regras de como operar na Amazônia e cobrar do governo brasileiro a definição, aplicação e cumprimento de políticas públicas (zoneamento econômico-ecológico) sobre o uso da terra na região.

Recentemente, o desmatamento e a produção agrícola em áreas da Amazônia voltou a chamar a atenção nacional e internacional.

O ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, o presidente da Abiove, Carlo Lovatelli, e o diretor de campanha do Greenpeace, Paulo Adário, participam do evento em Brasília amanhã no Edifício sede do Ministério do Meio Ambiente.
Fonte: Agência Estado

Alta de preços e fome: países ricos apenas preocupados com suas economias 16.06.08

16.06.08

Comentário do Editor:
Como apontei na análise do dia 9 pp, os governos dos países membros do G8, os mais ricos do mundo, não estão nem aí para o impacto da alta dos alimentos nos já 860 milhões de famintos que sobrevivem no planeta. A única preocupação é se suas economias vão se estagnar, desacelerar, como resultado do choque de preços agrícolas e do petróleo. Os EUA, com apoio inglês, não quer nem falar sobre a especulação com preços das commodities agrícolas (apesar de ter instalado uma comissão para investigar o tema).
É o que mostra artigo divulgado pela Agência de Notícias Reuters no sábado passado, abaixo transcrito.


Países do G8 mostram preocupação com choque de commodities no desaquecimento de suas economias

Fome nos países mais vulneráveis tem menor importância

OSAKA, Japão -(Reuters) As nações mais ricas do mundo alertaram no sábado (14) que os preços elevados das commodities podem abocanhar um pedaço do crescimento econômico, mas não anunciaram um plano para acalmar os mercados ou abrandar os protestos sobre o custo dos combustíveis e dos alimentos.

O câmbio não foi discutido na reunião dos ministros da Economia do G8 em Osaka, no Japão, e analistas dizem que o dólar deve recuar hoje, segunda-feira.

Um pedido da Itália por regulação para diminuir a especulação nos mercados futuros de petróleo encontrou resistência dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha.

Muitos ministros aparentaram mais preocupação com o desaquecimento das economias atingidas pela crise de crédito do que com o aumento dos preços.

"Os preços elevados das commodities, especialmente de petróleo e alimentos, representam um sério desafio para estabilizar o mundo, têm sérias implicações para os mais vulneráveis e podem aumentar a pressão inflacionária global", afirmaram os ministros em um comunicado.

O secretário do Tesouro norte-americano, Henry Paulson, disse que o petróleo caro pode estender o desaquecimento dos EUA; o Fundo Monetário Internacional (FMI) falou em prolongada fraqueza econômica; e o comissário econômico da União Européia, Joaquin Almunia, alertou sobre a estagflação dos anos 1970 em uma entrevista a um jornal japonês.

O G8 reconheceu a dificuldade em sustentar o crescimento após problemas no setor imobiliário dos EUA gerarem uma crise global de crédito.

O risco dos preços recordes do petróleo e de alimentos contagiar salários e outros custos tornou "as escolhas de política mais complicadas", acrescentou o grupo.
Fonte: Por Glenn Somerville e Eric Burroughs, Reuters.

G-8 toma decisões que comprometem o futuro do planeta 09.06.08

09.06.08

Comentário do editor:

Como devem os governos, empresas e pessoas reagirem aos recentes aumentos vertiginosos no preço do petróleo? Com o Protocolo de Kioto e, mais recentemente, o anúncio dos resultados do IPCC, painel de cientistas que estudou o câmbio climático, a idéia não era reduzir o mais rápido possível o consumo desse combustível fóssil? E o aumento de preço não tenderia a ajudar nessa redução?

George Soros, um notório especulador/investidor bilionário, disse na semana semana passada a um comitê do Congresso dos Estados Unidos que os investimentos em mercados futuros estão exagerando a alta dos preços e criando uma bolha de mercado para o petróleo e outras commodities, conforme relata Carola Hoyos, em El País de sábado (07). E creio que ninguém duvida que ele conhece bem o ramo em que atua. Mas analistas do setor de energia contestam essa hipótese. Acham que o aumento se deve, entre outros, a baixos investimentos em prospecção de novos campos, a instabilidades políticas e ameaças de guerra com países grandes produtores, com o Irã, por exemplo.

E como reagem efetivamente os cinco maiores países consumidores de energia do mundo? como integrantes do G-8, em reunião ontem (08) no Japão, "fizeram um apelo por mais investimento em energias eficientes e renováveis, ... ao mesmo tempo que alertaram para os riscos de uma recessão mundial e (como) os altos preços dos combustíveis são uma ameaça à economia mundial, mais petróleo precisa ser produzido", conforme despacho da Associated Press, distribuído pela Agência Estado.

Nesta mesma notícia, o G-8 "... também insta os países a reforçarem a segurança nuclear, mas várias nações - os EUA, Grã-Bretanha e Canadá - disseram estar determinadas a construir mais usinas nucleares. Na semana passada, a AIE publicou um relatório no qual estima que o mundo precisará de 32 novas usinas nucleares a cada ano, de 2008 até 2050, como parte de um esforço mundial para cortar as emissões de gases poluidores. A Alemanha afirma que não construirá mais usinas nucleares. O Japão considera a hipótese. "A situação provocada pelos altos preços da energia está virando cada vez mais desafiadora," alertou Akira Amari, ministro de Energia e Comércio do Japão. "Se nós não lidarmos com ela, é provável que provoque uma recessão na economia mundial."

E para o mega-especulador Soros, ainda de acordo com Hoyos, "Somente quando uma recessão estiver bem consolidada será provável que um declínio do consumo no mundo desenvolvido anule outros fatores" (que levaram ao aumento de preço do petróleo).

E como ninguém quer recessão, todos os esforços serão realizados pelos governos para manter suas economias com crescimentos positivos, ainda que mínimos, e tome mais petróleo sendo consumido, e mais usinas nucleares sendo construídas...Mas para ficar bem na foto, "apelam" para que alguém faça investimento em "energias eficientes e renováveis"...

Para EUA transgênicos matariam fome no mundo, como a "Revolução Verde" o fez 06.06.08

06.06.08

Comentário do editor:

Mais do mesmo, seria a melhor definição do que se acaba denominando "resultados" da reunião de cúpula realizada em Roma, pela FAO, nos últimos três dias.

Novamente um fracasso, diriam as ONGs que lá compareceram e que têm grande experiência em lidar com o problema da fome nos países pobres.

Mas, sinceramente, o que se poderia esperar de um encontro em que as nações com maior força já chegam com um pé atrás devido à necessidade de defesa de seus interesses comerciais?

Com o Presidente brasileiro e a nossa diplomacia se esforçando para que o documento final não condenasse os biocombustíveis pela alta dos preços dos alimentos, e por uma possível concorrência com a produção de alimentos. Isso pode valer, em parte, para o caso do etanol brasileiro, mas não para seu concorrente derivado de milho. Mas quem brecou realmente essa citação foi o peso político e econômico de quem o Brasil aponta como um dos responsáveis por isso, os Estados Unidos da América.

Para não variar, a cupula chegou a um documento anódino, cheio de boas intenções, que joga para debaixo do tapete as verdadeiras questões a serem enfrentadas.

Os subsídios devem ser discutidos na Organização Mundial do Comércio, lembra Diouf, chefe da FAO. A Oxfam, ONG inglesa, diz que os países ricos gastaram 125 bilhões de dólares em subsídios aos seus agricultores mas aplicaram apenas 4 bilhões em ajuda internacional à agricultura. Enquanto na FAO o tom das discussões é ético e moral, na OMC é puramente comercial e, de fato, em questões substantivas, é comandado pelas grandes transnacionais do agronegócio, não pelos países.

Mas, para mim, o pior é ter que aturar o cinismo reiterado. A partir das décadas de 1950/60, a mecanização e tecnificação da agricultura foi espalhada no mundo pelos EUA sob o rótulo de "Revolução verde", que acabaria com a fome, e até rendeu prêmio Nobel...

Mas a fome continuou atingindo mais e mais pessoas, pois só se beneficiou da tal revolução quem tinha renda para comprar seus produtos, é claro.

Agora, os mesmos EUA que apresentam a "revolução biotecnológica" - os transgênicos, para solucionar o problema do aumento da fome, e que, parafraseando o presidente Luiz Inácio, tem o "dedo sujo" do "american way of life" que demanda mais e mais petróleo, e que transforma alimento - milho- em biocombustível, elevando os preços dos alimentos.

É cinismo demais, ética de menos...

"Chega de fracassos", afirmam ONGs na "reunião da fome" da FAO 05.06.08

05.06.08

Comentário do editor:

A FAO retirou US$ 17 milhões de seus parcos fundos de emergência, para iniciar ações para enfrentar uma crise de alimentos que exigiria 100 vezes mais recursos financeiros, segundo sua própria avaliação.

A França diz que vai entrar com US$ 300 milhões ao ano nos próximos cinco anos, em um total de US$ 1,5 bi, para ajudar apenas países da África (a notícia não esclarece, mas certamente para ex-colônias). O Banco Mundial diz que entra com US$1,2 bi, mas não se sabe de prazos e condicionalidades.

Se outros países acompanharem nessa colaboração, em ritmo e valores, e se as condicionalidades de apoiamento permitirem abranger todos os países necessitados, aparentemente haverá recursos para atender aos povos que sofrem com a fome.

Mas ONGs que acompanham a questão da fome no mundo há décadas, como a Pão para o Mundo, Foodfirst (Fian), acham que não haverá sucesso sem uma profunda transformação nos métodos e ações das organizações do sistema ONU que lidam com essa questão, e em atitudes governamentais.

Para contribuir, apresentaram na reunião de Roma um documento com os principais pontos que devem ser analisados e ações que devem ser tomadas, cujo resumo foi traduzido pelo Observatório e pode ser baixado na seção "Documentos" (veja link no box ao lado).

Dizem as ONGs que
"A presente crise é o resultado de décadas de políticas nacionais e internacionais que violam o direito à alimentação. O texto ressalta, em vários de seus pontos, que a agricultura familiar e camponesa, que produz alimentos, deve ser protegida, apoiada e incentivada pelos governos e órgãos das Nações Unidas.

Na questão dos biocombustíveis versus produção de alimentos, o documento propõe que
"Uma moratória tem que ser declarada no descontrolado avanço empresarial nos agrocombustíveis. Uma profunda avaliação tem que ser realizada e políticas devem ser definidas para dar clara prioridade máxima à produção de alimentos para necessidades domésticas."

Ao final, as ONGs pedem que seja criada uma Comissão em Produção Alimentar, expansão do consumo e comércio nas Nações Unidas, nos moldes da Comissão Brundtland, para "fazer uma completa avaliação do sistema de alimentos e preparar um relatório parcial à Assembléia das Nações Unidas e órgãos dirigentes da FAO, IFAD e WFP ao final de 2008 e entregar seu relatório final até o fim de 2009".

Até onde as resistências políticas dos governos permitirão uma proposta como essa ser incorporada em suas políticas, ainda que parcialmente, não sei. Mas o problema maior que ela enfrentará é que propõe a adoção de medidas estruturais, como verdadeiras reformas agrárias, o controle tanto da especulação financeira com alimentos quanto das grandes empresas do agronegócio.

Como os governos controlariam as finanças e as empresas transnacionais, se acaso concordassem? aparentemente, deixaram para trás os instrumentos que os permitiriam exercer esse controle, e agora precisarão criar outros, nessa nova realidade, e enfrentando mecanismos supra-nacionais como a Organização Mundial do Comércio (OMC), para a qual abdicaram sua soberania nessas questões.

Fome reúne chefes de Estado em Roma em "banquete sem talheres" para controlar processo de aumento de preços 04.06.08

04.06.08


Comentário do editor:

Artigo de Miguel Mora, ontem, no jornal El País, da Espanha:
"Cinqüenta chefes de Estado e de governo, 150 ministros da Agricultura e cerca de 20 mandatários de instituições supranacionais estão reunidos a partir de ontem (3) até quinta (5) na sede da FAO (Organização para Agricultura e Alimentos da ONU), em Roma, capital italiana, para tentar atacar a crise alimentar global que ameaça matar de fome e de sede milhões de pessoas....
Um único dado apresentado pela FAO resume graficamente a situação: de um lado há 820 milhões de cidadãos passando fome, entre eles 178 milhões de crianças desnutridas. No lado afortunado, um bilhão de seres humanos sofrem de excesso de peso, e 300 milhões deles já são obesos..."

Mas ser gordo ou obeso não significa, necessariamente, ser rico. Em vários países, como Brasil e México, a dieta alimentar tradicional foi substituída, as pessoas tornaram-se mais sedentárias, e pobres com péssima alimentação também estão entre os obesos.

A questão, hoje, na distribuição de alimentos não é essa, mas sim para quem produz o agronegócio (filhote da "Revolução Verde" que ia "matar a fome do mundo")? obviamente, pra quem pode comprar e pagar.

Mas o que é pior, os Estados Nacionais não mais dispõem da autonomia que detinham até uns 40 anos atrás para tentarem encaminhar soluções: estão em uma mesa mas sem os talheres para manipular alimentos, ou seja, sem instrumentos, e terão que comer com as mãos. Cortar e distribuir as partes será uma tarefa difícil sem facas, sem garfos.

Mas quem detém hoje esses instrumentos?

No mesmo artigo, no El País, temos os nomes:
"...
Marco de Ponte, secretário-geral italiano da Ajuda em Ação, divulgou a lista das cinco empresas que controlam mais de 80% do mercado de cereais, com os lucros de 2007: Cargill (+36%), Archer Daniels Midland (+67%), ConAgra (+30%), Bunge (+49%), Dreyfuss (+19% em 2006)...'A globalização modificou a relação comercial da agricultura', explica Alberto López, representante espanhol na FAO. 'O capital que antes especulava em imóveis hoje está na compra de futuros de matérias-primas'...."

Assim como havia acontecido com o capital financeiro, o agronegócio mundial fugiu ao controle dos Estados Nacionais e detém, praticamente sozinho, em meia dúzia de empresas, as decisões na agricultura em escala mundial. Agora, com a crise imobiliária nos Estados Unidos, a especulação com commodities aumentou, usadas como ativos para proteção de investimentos. A Bolsa de Mercadorias de Chicago movimenta mais de dez vezes a produção real dessas mercadorias agrícolas.

A pergunta que fica é o que poderá sair de concreto dessa reunião da FAO, um banquete de autoridades que não têm instrumentos efetivos para lidar com o problema em foco. Será que alguém se lembrou de chamar as seis maiores empresas para sentarem à mesa?

Para ler o artigo de Miguel Mora, em El País, traduzido pela UOL Notícias, clique aqui

Ministro assumiu o MMA já "amansado" por determinação presidencial 03.06.08

03.06.08

Comentário do editor:

Da Agência Brasil:
"Minc diz que Presidente "determinou" que "trabalhe junto com" Maggi...

O ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, mostrou-se ontem (2) disposto a não adotar uma posição de enfrentamento com relação ao governador do Mato Grosso, Blairo Maggi, que comanda o estado apontado pelo Instituto Nacional de Pesquisa Espaciais (Inpe) como principal responsável pelo desmatamento recente da Amazônia.
...
O ministro informou que o trabalho em conjunto com Maggi é uma “determinação do presidente Lula” ...
Fonte: Marco Antônio Soalheiro, repórter da Agência Brasil

Na atual circunstância, essa declaração do recém empossado ministro contém duas informações relevantes:

1- o presidente da República não tem força política para fazer valer as leis nacionais em alguns estados brasileiros, em especial na região amazônica. A força dos ruralistas no Congresso Nacional, apoiada pelo poderio econômico do agronegócio, o fez recuar nesse enfrentamento em torno da questão do desmatamento que a ex-ministra Marina Silva havia iniciado em dezembro pp.. Não tenho dúvida que ao voltar de viagem e negociar a data em que começa a vigorar a Resolução do Conselho Monetário Nacional - condicionando que os empréstimos agrícolas sejam dados apenas a tomadores que estejam conformes com a legislação fundiária e ambiental - os recursos para o plantio da próxima safra serão excluídos dessa determinação do CMN;

2- temos um ministro do Meio Ambiente que aceitou o cargo com severas limitações políticas, e que deve virar o foco da atuação do ministério para outras áreas, dando gradualmente cada vez menos importância aos ruralistas e madeireiros, tirando-os do noticiário. Não falta assunto para isso, e nessas outras questões -longe da Amazônia - o ministro tem mais experiência e conhecimento. Haverá, assim, facilidade de encontrar temas e assuntos concretos com que poderá montar seu teatro e fazer um carnaval na imprensa. O "boi ilegal", embora ainda na Amazônia, já tira um pouco o foco da turma que Maggi defende, e faz lembrar o ilusionismo do "boi voador" na Recife holandesa...

Mas ainda restará um problema, que é a atenção e cobrança da comunidade internacional acerca da conservação da Floresta Amazônica, ponto relevante na discussão e medidas de combate às mudanças climáticas e aquecimento global.

Como ele enfrentará isso, ainda será preciso esperar para ver.

Ciência na Amazônia quer o equivalente ao subsídio à gasolina: vai ter dinheiro? 02.06.08

02.06.08

Comentário do editor:

Escrevo esse comentário em Porto Seguro, Bahia, e conforme várias placas de sinalização, "o Brasil começou aqui". Estou acompanhando a 26ª Reunião Brasileira de Antropologia, que tem alguns trabalhos com vínculos com o agronegócio. Mas não foi esse o principal motivo de estar aqui, e nem do comentário de hoje.

Um documento da Academia Brasileira de Ciências -produzido por renomados cientistas, entre os quais Berta Becker, especialista na Amazônia, e Carlos Nobre, do INPE - propõe um plano decenal de investimentos em ciência no bioma amazônico, com a criação de três institutos e novas universidades federais, além de mais recursos para as existentes. Tudo fora de Manaus e Belém, em cidades médias como Santarém, no Pará. A referência da proposta é o Instituto Tecnológico da Aeronáutica -ITA, e todo desenvolvimento da indústria aeronáutica provocou em São José dos Campos, onde acabou sendo instalado.

Assim, segundo eles, seria possível dar um passo adiante e superar o atual uso destrutivo dos recursos naturais da região por um desenvolvimento científico e tecnológico que utilize seus recursos biológicos, entre outros, mantendo a floresta em pé e criando polos regionais de desenvolvimento sustentável.

Isso incluiria a abertura de postos de trabalho para pesquisadores e professores, além de todo o pessoal para dar suporte ao ensino e pesquisa, para fazer funcionar os tais institutos e universidades, e provavelmente uma constelação de empresas-piloto - em suas "incubadoras"- para desenvolvimento tecnológico e comercial dos resultados de suas pesquisas.

O orçamento proposto é rídiculo de tão pequeno, diante do desafio a que se propõe enfrentar e dos resultados esperados. Não sei se os proponentes foram modestos demais, se será preciso rever as contas, mas é dinheiro de pouca significância para o atual governo, que acabou de distribuir - no começo de maio pp - essa mesma quantia como subsídio anual aos consumidores de gasolina: R$ 3 bi por ano.

Proponho aqui que os cientistas e a sociedade civil organizada brasileira criem um movimento que pressione o governo para que a recente redução da Cide dada à gasolina seja imediatamente revista, e percentual reimplantado com destinação exclusiva ao desenvolvimento científico na Amazônia, conforme proposto pela ABC. É exatamente o valor proposto e o governo não pode alegar que "não tem dinheiro" se acabou de abrir mão dele. E isso depende apenas da caneta do presidente da República, não tem que passar pelo Congresso Nacional.

E pagarei satisfeito o aumento da gasolina, sabendo que parte desse imposto está tendo um uso adequado ao futuro de nosso país, e à efetiva defesa da Amazônia.

Mas aproveito para lembrar que a sociedade brasileira está devendo o mesmo tipo de preocupação e defesa com relação ao Cerrado, pelo menos.


Luiz Inácio diz admite negociar nova data para regras que restringem crédito 30.05.08

30.05.08

O presidente Luiz Inácio da Silva disse hoje (30) que o governo está disposto a discutir a data em que entrará em vigor a resolução do Conselho Monetário Nacional (CMN) que condiciona a liberação de financiamento agrícola ao cumprimento de critérios ambientais. A regra começa a valer no dia 1º de julho. Entretanto, o governador de Mato Grosso, Blairo Maggi, pediu mais tempo para os produtores.

“Temos 30 dias para conversar. Eu não entendi a proposta do Blairo Maggi. Ele mandou uma carta para a ministra [ministra-chefe da Casa Civil] Dilma [Roussef], mas não vi a carta. Quando eu voltar (o presidente viaja para Roma neste fim de semana), vamos sentar eu, a Dilma, o Blairo e o Minc [ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc]. Eu não sei o que ele propôs, mas qualquer coisa que seja proposta, nós temos uma margem de manobra de negociar”, afirmou Luiz Inácio em entrevista coletiva durante o 1º Fórum de Governadores da Amazônia.

Mais cedo, o ministro Carlos Minc garantiu que o governo não pretende voltar atrás na data de início do cumprimento da resolução do CMN.

Para o presidente da República, é uma “questão cultural” entender que preservar a floresta e a água será uma vantagem comparativa para o Brasil no mercado agrícola internacional. “Se a gente não tomar cuidado, daqui a pouco vai ter um movimento internacional para não comprar produtos do Brasil o que ia ser muito prejudicial."

Minc diz que não voltou atrás

Belém (PA) - O ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, negou hoje (30) que, ao alterar as regras de aplicação da resolução do Conselho Monetário Nacional (CMN) que restringe, a partir de 1º de julho, a concessão de financiamento agrícola para quem não cumpre critérios ambientais, o governo tenha flexibilizado a restrição ao crédito.

“Não voltamos atrás, não flexibilizamos. Eu nem tenho poder para mexer numa resolução do Banco Central. Apenas expliquei na portaria como poderá ser comprovado aqueles que estão dentro ou fora do bioma amazônico”, disse o ministro.

Segundo ele, as mudanças vão ajudar a orientar os bancos que concedem o financiamento agrícola. “A restrição só vale para o bioma amazônico. Tem vários municípios em que parte das propriedade está dentro do bioma amazônico e outra parte, fora [cerrado e área de transição]. A parte fora já estava de fora da resolução, mas não tinha como explicar isso aos bancos.”

Blairo dá tiro em seu pé

Blairo Maggi responsabilizou “O Estado e a União também têm culpa pelas propriedades não terem licenciamento ambiental, porque não estruturaram os órgãos ambientais, não colocaram crédito à disposição e pela insegurança jurídica que criaram ao fazer essa regulação”.
Luana Lourenço, Enviada especial, Agência Brasil, com o Observatório

Comentário do editor:
Ora, será que precisa perguntar ao governador do MT quem desmontou a Secretaria do Meio Ambiente de MT, e seu sistema de licenciamento pioneiro, cumprindo promessa de campanha?

TODO PODER AO AGRONEGÓCIO 29.05.08

29.05.08

Mobilização e articulação para fazer o candidato às eleições de presidente da República

Comentário do editor:
A se acreditar nas palavras, tragédia pior só o terremoto da China ou o furacão em Mianmar (antiga Birmânia), pois o cumprimento da legislação brasileira no território livre de Mato Grosso é "Um 'embargo econômico', que vai gerar "quebradeira" no Estado ..., aumento no preço dos alimentos e desequilíbrio na balança comercial brasileira", na conversa do atual governador do Estado, ontem (28), com o repórter Diogo Pinheiro, do sítio UOL, em São Paulo.

Os políticos da fronteira (ou talvez de todos os cantos do país) são mestres em transformar questões policiais de aplicação da Constituição e das leis brasileiras em problemas políticos.

A pergunta que me faço é porquê o governador Maggi está tão empenhado nessa cruzada contra a vigência imediata de legislação aprovada há décadas, se o Banco do Brasil já lhe deu a solução, de graça, conforme o Observatório
assinalou em sua edição de 23 pp.. Com um sítio na Internet, facilmente seriam emitidos, em menos de um mês, os 100.000 protocolos que os ruralistas locais precisariam levar ao BB para liberar os empréstimos. Talvez se fosse em Minas Gerais, estaria tudo resolvido.

Mas com o arquétipo gaúcho, que gosta de uma "pelea", e as eleições presidenciais de 2010 chegando sem que a direita tenha candidato, nada como uma briga levada ao âmbito nacional para mobilizar em torno de seu nome os parlamentares e lideranças do setor. E vai ser briga fácil, pois o governo atual não tem como resistir a uma pressão da bancada ruralista no Congresso, que acaba de ganhar R$ 65 bi para seus representados, mas tem uma voracidade sem fim. E já se anuncia para amanhã o "abrandamento" das medidas, a serem divulgadas pelo próprio presidente da República em
reunião com os governadores da Amazônia.

"Talvez mais de 20 milhões de toneladas de grãos, carnes e fibras deixarão de ser produzidas, diz Maggi para quem quiser ouvir, simplesmente dobrando as estimativas iniciais
anunciadas pelo presidente da Federação da Agricultura de seu Estado, sem qualquer constrangimento de ter que basear seus números em algum estudo, e completa "Eu creio que isso fará uma diferença muito grande na balança comercial brasileira e no bolso dos brasileiros porque os alimentos ficarão mais caros".

Com a morte do deputado Luís Eduardo Magalhães a direita educada, moderna, perdeu seu candidato natural capaz de aglutinar uma "centro-direita" contemporânea. Hoje, envergonhada do rótulo (aliás, sempre foi), o que resta deles só faz aliar-se eleitoralmente com uma pseudo-esquerda com ares sociais-democratas e com o governo (pois sempre foram governistas por convicção, sem qualquer constrangimento).

Um novo nome, sem esses ranços do passado, mas de linhagem dos europeus que foram para o "velho-oeste americano" (onde vigorava a lei do mais forte) derrubar mata e tomar terras dos índios para plantar e produzir comida, vai acabar conseguindo empolgar esses "sem-liderança"...

Veja a íntegra da entrevista do governador Maggi
aqui

Ministro do MA toma posse em meio a promessas mas no mesmo dia ruralistas garantem coisas mais concretas 28.05.08

28.05.08


Afagos, palavras jocosas e demonstração de amizade eterna o presidente da República distribuiu carinhosamente na posse do novo ministro do Meio Ambiente, ontem no final da tarde. Tudo grátis, sem custo para a Viúva.

Depois, ele partiu para uma solenidade mais concreta e objetiva: assinou uma Medida Provisória (porque não projeto de lei?) garantindo a renegociação de dívidas dos ruralistas e agricultores familiares, em um total estimado de 2,8 milhões de contratos inadimplentes, que representariam algo como R$ 87,5 bilhões.

Muitas dívidas vêm sendo en"roladas" desde 1980, informa o ministro da Agricultura. Mas o ministro do Desenvolvimento Agrário ressalta que a inadimplência dos agricultores familiares nos 13 anos de funcionamento do Pronaf é de apenas 3%, e suas dívidas ora renegociadas são apenas 10 dos 77,5 bilhões de reais envolvidos na operação governamental.

E o esforço do governo em resolver o problema político-financeiro da agricultura empresarial -pois a bancada ruralista pressiona e tem grande peso nas votações no Congresso Nacional, nas quais o governo é refém desse grupo - pode ser avaliada pelas declarações do secretário adjunto de Microfinanças e Política Agrícola do Ministério da Fazenda, Gilson Bittencourt: "...a medida provisória tem 37 páginas e 52 artigos e que foi preciso alterar cerca de 20 leis para regulamentar as medidas."

Por mais de um ano o governo trabalhou para resolver todas as arestas, sempre sob pressão do setor rural. Acreditam membros do governo que não haverão emendas na tramitação da MP, mas como algumas vozes pedem mais benefícios - como só começar a pagar no ano que vem - dificilmente deixará de ocorrer o que sempre houve nesses casos. Demandas vencidas na negociação voltarão à pauta, e algumas delas certamente serão aprovadas.

E fica esse contraste: enquanto Minc fala em um projeto de criar um fundo para a Amazônia, para o qual já teria uma contribuição privada de cerca de R$ 170 milhões, os ruralistas ganham uma renegociação de R$ 65,5 bilhões, com um custo imediato para o Tesouro Nacional de R$ 1,2 bilhão, sete vezes o valor do projeto do novo ministro do Meio Ambiente.

Barbas de molho...Inpe adia divulgação dos dados de desmatamento na Amazônia 27.05.08

27.05.08

Depois de anunciar que seriam divulgados ontem (26) dos números do desmatamento na Amazônia Legal registrados no mês de abril pelo Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter), o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) achou melhor adotar outra estratégia de trazer esses números ao público.

A decisão busca evitar o desgaste que o Instituto e sua equipe têm sofrido recentemente pela contestação política empreendida pelo governador do Mato Grosso.

Assim, os números não serão divulgados até que o novo ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, assuma oficialmente o ministério, o que ocorrerá hoje (27) e se reúna com sua equipe e a do INPE para definir como serão apresentados os dados do desmatamento na Amazônia Legal.

Na última quarta-feira (21), Minc antecipou números do Inpe e afirmou que eles indicam um avanço significativo da derrubada de florestas na região, principalmente no Mato Grosso, que seria responsável por 60% do desmatamento, em abril.

Segundo Míriam Leitão, em seu blog de ontem, "Os dados de março por exemplo têm 85% de cobertura de nuvens, são bem diferentes dos números apurados em abril com mais visibilidade.

O diretor do Inpe, Gilberto Câmara, e Sérgio Rezende (Ministro da Ciência e Tecnologia ) querem discutir um novo formato de divulgação que não transforme o número numa polêmica política. Além do mais, no governo há quem considere que a divulgação dos dados na véspera da posse do novo ministro não seria conveniente."

De acordo com a assessoria do Inpe, após a posse de Minc, representantes do Ministério da Ciência e Tecnologia, ao qual o Inpe é vinculado, vão discutir com técnicos do MMA se mantêm ou modificam a estratégia de divulgação dos dados do Deter. O objetivo do adiamento da apresentação dos números é evitar que a divulgação de dados científicos seja influenciada pelo momento político, em referência à posse do novo ministro Meio Ambiente.

Atualmente, o Inpe coloca à disposição os números ao acesso público na internet, cerca de quinze dias após o fechamento dos dados e depois de análise do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

O Deter fornece dados sobre a cobertura vegetal da região, para alertar as autoridades e orientar a fiscalização. A consolidação dos dados de desmatamento é feita por outra metodologia, o Programa de Cáulculo de Desflorestamento da Amazônia (Prodes), que define as taxas de desmatamento e é divulgado no segundo semestre de cada ano.
Fontes: Luana Lourenço, repórter da Agência Brasil, blog da Míriam Leitão e o Observatório

Por quem os sinos dobram? pelo futuro ou pelo presente? por quem se inclinam coração e mente do Presidente? 26.05.08

26.05.08

Um fim-de-semana de parcas notícias, e no final da tarde, antes de começar a pesquisa para esta edição, recebo um email de um grande amigo, com um link para uma reportagem do New York Times.

Assinada por Alexei Barrionuevo, com a colaboração de Andrew Downie, relata a controvérsia sobre os números do desmatamento na Floresta Amazônica em que se opõem o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais -INPE, e o governador do Estado do Mato Grosso, Blairo Maggi.

Desde que os instrumentos de acompanhamento do desmatamento via satélite ganharam novos meios, mais ágeis e precisos, e várias ONGs se capacitaram para também acompanhar o desmatamento via imagens de satélites, estamos assistindo esse esperneio do governo matogrossense contra os números a que o INPE chegou, analisando as imagens de satélite.

Só não se vê que providências ele toma contra o desmatamento. Será que elas existem? será que até a imprensa deixa de divulgá-las?

Por mais que tenha mudado recentemente de atitude, o currículo do governador continua pesando: na primeira campanha prometeu acabar com o sistema de licenciamento de propriedades rurais que seu antecessor estava implantando, usando georreferenciamento e permitindo melhor monitoramento do desmatamento, e fez uma coisa raríssima entre nossos políticos eleitos: cumpriu sua promessa! e passou o primeiro mandato navegando em mares tranquilos, melhor diria céu de brigadeiro.

Quando a ciência e tecnologia deram um passo à frente no monitoramento da floresta, organizações da sociedade civil começaram a cobrar controle do desmatamento, a então ministra - que só tinha olhos para a Amazônia - engrossou o coro, e fortes ventos começaram a soprar. Nesse meio tempo o governador ainda foi obrigado a aterrisar em emergência quando o Ministério Público e a Polícia Federal na Operação Curupira desbarataram uma quadrilha de desmatamento e comercialização ilegal de madeira, que contava com ramificações na área ambiental tanto do governo estadual quanto do federal.

Promoveu uma ampla reformulação de estrutura e quadros nessa área e prometeu que, dali pra frente, tudo seria diferente...

Mas agora, dá um passo atrás para brigar com os números. É claro que ninguém é imune a erro, tanto que o INPE fez uma revisão completa de seu trabalho, chegando a 4% de diferença com relação aos números iniciais, o que tem baixa significância.

O problema que o INPE enfrentará, agora, é a mobilizacão política do governador de MT, que certamente contará com o apoio total e irrestrito da bancada ruralista no Congresso Nacional. E o que antes era apenas um problema técnico vira um problemão político para o presidente da República mediar.

Se o comportamento passado pode dar alguma indicação, os sinos dobrarão pelo futuro do planeta...

Para ler a reportagem do NYT em português, no UOL, clique
aqui
Em inglês, acesso livre, clique
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Produção à margem da lei: apenas 4 mil das 120 mil propriedades rurais de MT estão licenciadas 22.05.08

22.05.08


Comentário do editor:

Em entrevista ontem, concedida ao Portal G1, de O globo, o Governador Blairo Maggi, do Mato Grosso, disse, entre outras coisas:
G1: Mas o ministro disse que os dados que vão ser divulgados na segunda-feira (26) mostram um aumento do desmatamento, principalmente em Mato Grosso.
Maggi - O estado de Mato Grosso, diferente dos outros estados, você tem que ter uma compreensão... Primeiro, é um estado agrícola, e as pessoas que vivem no estado ou vieram para o estado de Mato Grosso não vieram para... Como falam o italiano e o alemão, vieram para fazer a vida. Vieram aqui plantar e esperar 20 ou 30 anos para poder ter uma estabilidade financeira. O povo aqui do estado não tem a cultura extrativista que tem nos outros estados da região amazônica... Para Mato Grosso, nós precisamos ter uma política diferenciada, porque a população aqui é de uma outra origem e que tem outros anseios e outros desejos. Nós também temos em Mato Grosso dois biomas muito diferentes, que é a área de floresta e a área de cerrado. E, estatisticamente, isso não é separado
...
G1 - Qual a sua posição sobre a resolução do Banco Central, que entrará em vigor em julho e que estabelece que a liberação de crédito agrícola será feita somente para proprietários rurais que tiverem licenciamento ambiental?
Maggi - Sou totalmente contrário. Mais uma vez, vamos abrir dois parênteses. O que está sendo feito errado ou desmatado neste momento não merece o respeito de ninguém e a consideração de ninguém. Não tem que ter crédito, não tem que ter nada. Mas o que essa resolução do Banco Central fez? Pegou todas as propriedades do estado de Mato Grosso, da região amazônica e também de outros estados, que têm áreas consolidadas, que vêm produzindo há muitos anos e que não têm licenciamento ambiental, embora seja uma exigência da lei, mas a lei também dá prazo para você fazer isso... Agora, simplesmente, do dia para o outro, vem uma resolução que diz que você não tem mais direito ao crédito. Então, o que acontece? É um embargo econômico muito forte e maléfico à economia do estado de Mato Grosso (...). Eu, como governador, não posso aceitar isso em hipótese nenhuma porque é a quebradeira da economia do estado...."

Vários pontos desse trecho mereciam ser analisados, mas vamos ficar apenas em um: "
Pegou todas as propriedades do estado de Mato Grosso, da região amazônica e também de outros estados, que têm áreas consolidadas, vêm produzindo há muitos anos e que não têm licenciamento ambiental, embora seja uma exigência da lei, mas a lei também dá prazo para você fazer isso...

Como pode uma autoridade representante do Estado de Direito, do Poder do Estado, que está em seu segundo ano do segundo mandato como Governador, ou seja, seis anos no poder, admitir que a maior parte (admitindo-se que não são todas, tem gente legal) dos produtores agropecuários trabalham de forma ilegal em seu território? A lei? ora, a lei, quando pudermos ou quisermos nos enquadraremos nos requisitos legais, tem que ter tempo (20 anos não são suficientes?).

E o que fez ele, nesses seis anos, para dotar sua Secretaria de Meio Ambiente de recursos humanos e financeiros para atender a demanda por licenciamento? não dá para jogar a culpa no Ibama ou governo Federal. Aqui, é bom lembrar, que uma das principais promessas de sua campanha para o primeiro mandato - talvez decisiva para sua eleição - foi de desmontar o sistema de georreferenciamento que o governo anterior - de forma inédita no país - havia implantado para controlar o licenciamento de fazendas e dar agilidade ao processo de licenciamento. E cumpriu sua promessa...Agora, reclama que os produtores não podem atender às exigências legais...

E a
Federação de Agricultura e Pecuária do Estado de Mato Grosso (Famato) informa que "das cerca de 120 mil propriedades rurais do Estado apenas 4 mil estão licenciadas." (veja aqui)
Para ver a entrevista completa de Maggi no G1, clique
aqui

Brasileiros cumprem as leis nacionais, quem deliberadamente não as cumpre nega sua cidadania 21.05.08

21.05.08


Comentário do editor

Quando um governador busca eliminar o cumprimento de exigências da lei federal pelos produtores de seu Estado, alegando que não têm documentação para atendê-la, fica-se perguntando como uma situação como essa persiste no maior produtor de soja do país, responsável por quase 30% da produção brasileira. Será que, se for verdade o que diz seu governador, essa produção não atende aos requisitos de legalidade? não acredito, é ilegalidade demais para ser verdade. Acho que aí está funcionando o "espírito de corpo" que busca encobrir uns poucos ilegais com a fachada de que "todos' estão nessa situação.

Somando-se a essa questão todas as outras que desfilaram no noticiário recente, acerca de desmatamento ilegal, coerção e impedimento da livre atuação de fiscais do Estado, restrições ao direito de ir e vir que a Constituição brasileira garante mas que não tem vigência em regiões da Amazônia, surge a dúvida:

A Amazônia Legal foi criada para beneficiar com incentivos fiscais pessoas físicas e jurídicas instaladas nessa região. Mas como que estas, funcionando na ilegalidade, podem se beneficiar dessas benesses do Estado?

Parece, entretanto, que ficar na ilegalidade é mais lucrativo - ainda que existam esses benefícios fiscais - que atendendo às leis brasileiras. A chamada "lei da selva" aparentemente predomina, se acreditarmos na palavra de alguns governadores.

Daí, vem outra questão: e a tal "soberania nacional" sobre a Amazônia, que tantas manifestações têm provocado, de civís a militares, sempre alegando que "potências estrangeiras" estão querendo tomar essa região do Brasil.

Se o Estado brasileiro não existe para os "senhores da terra", se o Estado brasileiro não consegue impor suas leis na região, se seus representantes legais são encurralados e escorraçados, como dizer que há "soberania" sobre a região?

Não acredito, particularmente, nessas teorias conspiratórias acerca das pretensões de outros países sobre o território amazônico. Entendo, quando se diz que a "a Amazônia não é só dos brasileiros", que se está passando o recado de que ela é um Patrimônio da Humanidade e que todos habitantes do Planeta têm obrigação de zelar por ela. Assim como as pirâmides do Egito e outros patrimônios mundiais tombados pela Unesco.

Mas, sem dúvida alguma, entendo ser urgente tornar a Amazônia Ilegal em uma região em que a Constituição e as leis brasileiras tenham vigência e sejam respeitadas e obedecidas por todos. E o governo é o responsável por ações do Estado que tornem isso uma realidade.

Não é uma questão que possa ser "negociada" ou empurrada com a barriga, sob pena de que a situação continue se agravando, pois a mobilização política que torna sem efeito nossas leis pode transformar-se em uma mobilização separatista, porque não?

Brasileiros de verdade cumprem a Constituição e as leis nacionais, quem deliberadamente não as cumpre nega sua cidadania.

Pois se existem potências interessadas, alianças políticas serão possíveis, e os "senhores da terra" podem se tornar Imperadores e sua Corte. Naturalmente dispondo de muitos vassalos...

Dinheiro falta para programas sociais e de saneamento mas sobra para subsidiar gasolina e alguns setores 20.05.08

20.05.08


Comentário do editor

Presidente diz que CPMF fará falta para programas sociais

Durante a comemoração do primeiro aniversário do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), o presidente Luiz Inácio da Silva reclamou do fim da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), cuja prorrogação foi rejeitada pelo Senado no final do ano passado. Ele também afirmou que o governo federal não tem dinheiro para cumprir, sozinho, todas as metas do PDE. “Quando tiver essas creches [previstas no PDE], a primeira que começar a funcionar, a gente vai pegar os ministros da área econômica e os senadores que votaram contra a CPMF e a gente vai levá-los [até as creches] e eles vão perceber que é preciso mais dinheiro, vão perceber o que poderíamos fazer com R$ 40 bilhões a mais por ano no orçamento”, disse.
Fonte: Carolina Pimentel, repórter da Agência Brasil


Só neste mês o presidente da República distribuiu R$ 3 bilhões anuais para os consumidores de gasolina, penalizando o diesel usado para transporte coletivo e de mercadorias, e mais de R$ 5 bilhões anuais, nos próximos quatro anos, para alguns setores industriais. Isso significou abrir mão de 1,6 vezes o dispêndio anual do Bolsa Família.

Na semana passada o IPEA divulgou um estudo demonstrando que o governo devolve aos brasileiros, em serviços públicos, apenas um de cada três reais recolhidos aos cofres da viúva.

Pouco tempo atrás, o presidente do IPEA divulgou outro estudo, que havia iniciado antes de assumir o posto, mostrando que 20.000 famílias se apropriam de 80% dos valores pago pelo governo brasileiro a título de juros e serviço da Dívida Pública.

De acordo com a ONG Contas Abertas, dos 152,2 bilhões de reais previstos no Orçamento da União de 2008 para pagar os juros e encargos da Dívida Pública da União, 142,7 já estão empenhados (verba já compromissada, garantida) e 44,6 bilhões de reais já foram pagos. Ou seja, na média cada uma dessas 20.000 famílias vai receber, em 2008, o equivalente a 1,1 vezes o dispêndio anual do Programa Bolsa Família (que atende 11 milhões de famílias). E os juros que remuneram essa dívida são mantidos altíssimos, os maiores do mundo, por decisão do Banco Central brasileiro.

Não dá para entender porque o presidente da República reclama que falta dinheiro para programas sociais. Pouco antes, com outra mão, distribuiu benesses populistas para os consumidores de gasolina (entre os quais me incluo) e para alguns setores específicos da indústria (sem esquecer seu berço, a indústria automobilística, que não precisava pois anda batendo recordes de produção e venda, mas certamente reivindicou), em valores muito significativos, totalizando R$ 8 bilhões/ano. Com apenas 5% do valor distribuído recentemente seria possível fazer todas as creches do ProInfância, pois o governo se propôs a investir nesse programa R$ 800 milhões entre 2007 e 2010, ou seja, apenas R$ 200 milhões/ano...

A pergunta é: falta dinheiro para quê e para quem?

De quê depende a implantação do Estado Nacional na Amazônia Legal? 19.05.08

19.05.08


Comentário do editor

Pensar o Brasil não é uma tarefa fácil, e são poucos que têm sucesso nessa empreitada. Sua diversidade de biomas, de culturas, de atividades econômicas, de perspectivas e percepções regionais geralmente exige equipes com membros capazes de entender "o outro", cada um oferecendo sua experiência com o propósito de vê-la adequadamente transformada para outras realidades que desconhece.

Todos sabemos que o Estado Nacional é um "ente" desconhecido tanto nas fronteiras agrícolas da Amazônia Legal quanto em bolsões no Rio de Janeiro, onde sua Lei não impera. Nessas áreas o Estado deixa de ter o monopóplio da força capaz de fazer valer as leis aprovadas pelo Congresso Nacional, nem mesmo a Constituição existe ali.

Quem manda nos bolsões do Rio de Janeiro? os jornais e televisões mostram diariamente o confronto entre o Estado e esses mandatários, embora alguns duvidem que os verdadeiros senhores estejam entrincheirados nos morros ao invés de desfrutarem as belas praias e a noite carioca. As balas vêm dos exércitos desses senhores, mas não são eles que lá estão impondo suas leis.

Quem manda na fronteira agrícola da Amazônia Legal? Quem impediu o exercício constitucional do direito de ir e vir, faz pouco tempo, de uma equipe do Greenpeace acompanhada de jornalistas que pretendiam visitar uma aldeia indígena ameaçada de perder suas terras, e os manteve reféns dentro do hotel e os expulsou da cidade?
Quem cercou fiscais do Ibama, os ameaçando e impedindo o transporte de toras de madeira apreendidas?
Quem invade terras indígenas já demarcadas, e resiste a sair - usando a força - como se delas fosse proprietário legítimo (e, assim, pudesse agir dessa maneira)?
Quem continuamente mata lideranças populares em disputas por terras na região?
Creio que a Polícia Federal tem o nome, cpf e endereço dos principais "senhores da terra" amazônica.

É um problema que tem um alto custo político na medida em que nada foi feito, em qualquer época passada, para coibir o desrespeito às leis nacionais. Agora, essas pessoas conseguem até voto popular, nas áreas que dominam. Transformaram um problema de polícia em um problema político.

Será que chamar as Forças Armadas - preparadas para enfrentar inimigos externos - resolverá a proteção das áreas declaradas como Parques e Reservas Nacionais? Talvez. Mas isso será suficiente para implantar o Estado Nacional na Amazônia Legal, ou esse problema será esquecido e o Conselho Monetário Nacional voltará atrás em sua decisão de só permitir crédito àqueles que cumprirem a legislação brasileira?

Entre desejos e imaginação, a realidade política é esquecida 16.05.08

16.05.08

Comentário do editor

2º Clichê (para usar uma expressão antiga) - Ninguém reclamou, mas eu mesmo, revendo o texto, achei que não ficou bom misturar dois assuntos distintos e, então, o reformulei e passa a ser o seguinte:

O futuro ministro do Meio Ambiente já decretou que vai mudar a legislação ambiental, para facilitar e dar rapidez às análises de Estudos de Impactos Ambientais, obrigatória para concessão de licenças para empreendimentos serem instalados.

Aparentemente, essa prioridade reflete o que o presidente da República enfatizou em seus 15 minutos de conversa com Minc. Deve ser a tal "carta branca"...Ser o ministro dos sonhos do Presidente e da Chefe da Casa Civil.

Será que o futuro Ministro do Meio Ambiente não sabe que as leis devem ser aprovadas pelo Congresso Nacional? desconhece ele a composição dos interesses predominantes no Poder Legislativo federal? deixou ele de acompanhar as dificuldades e revezes que os temas ambientais sofreram e continuam a sofrer a cada vez que o governo tenta passar alguma legislação na qual pode ser pespegada uma emenda, geralmente alterando leis e códigos vigentes em benefício da bancada ruralista? tem idéia do risco de enviar uma proposta de mudança, nessa área, e derrubar todo o avanço da legislação ambiental do país nos últimos 20 anos?

Outro ponto de sua fala é a questão da corrupção. Não deixa de trazer, além do desconhecimento, o ranço udenista/moralista herdado por outros partidos políticos. É, certamente um tema controverso, com distintas interpretações, algumas rigorosas outras mais lenientes (geralmente quando aplicadas a sí mesmo ou a aliados). É um tema que merece atenção e o combate diuturno, com a criação de mecanismos que inibam tanto o lado corruptor quanto o lado corrompido, não adiantando nada tratar apenas o lado passivo da questão. Desconhece o muito que foi realizado na máquina estatal federal, os concursos públicos que trouxeram sangue novo e modernas noções de serviço público, ética e compromisso com o Estado e a população, em especial nos órgãos ambientais. E a ação saneadora do Ministério Público juntamente com a Polícia Federal, em recentes operações.

Parece que o novo ministro vai precisar de um auxiliar essencial, com aquelas mesmas funções que Chico Buarque havia proposto ao presidente Luiz Inácio, o assessor do "vai dar m...."

Desenvolvimento a qualquer custo continua a ser referência do governo 15.05.08

15.05.08



Comentário do editor:

A saída da senadora Marina Silva do Ministério do Meio Ambiente, cargo que ocupava desde o primeiro dia de governo do Presidente Luiz Inácio, fez cair o biombo "ambiental" sob o qual as políticas governamentais se escondiam. Exatamente como se percebia a função que ela tinha no conjunto de membros do governo: uso de uma "griffe" nacional e internacional para "segurar" as críticas dos movimentos sociais e socioambiental às políticas governamentais, dar a impressão de que a questão ambiental tinha muito mais importância que efetivamente tem para esse governo.

A propósito dessa mudança ministerial, o deputado Fernando
Gabeira ressaltou ontem que "o principal é que nós temos um governo que lança uma política industrial sem consultar o ministro do Meio Ambiente e sem se referir sequer à redução de emissões [de poluentes]. É uma política industrial do século passado".

Em sua coluna Panorama Econômico, em O Globo,
Miriam Leitão lembrava, ontem, que ".... A maneira rasteira como a questão ambiental é tratada na política industrial é coerente com o PAC. No dia em que foi anunciado, a ministra Marina Silva, encolhida na segunda fileira de autoridades, assistiu alheia a uma apresentação que anunciava várias obras na Amazônia com apenas referências laterais ao meio ambiente. Ele entrava no discurso como obstáculo, através das queixas à demora das licenças ambientais. A ministra Marina engoliu muito sapo, mas nada foi pior que ver o Programa Amazônia Sustentável sob o comando de um ministro estrangeiro ao tema, o ministro do futuro Mangabeira Unger. O futuro que ele imagina para a Amazônia é o de transpor rios amazônicos para o Nordeste. Ele tem idéias que fariam corar os faraós.
...
Ao subsidiar exportadores, ampliar a estatização e tratar a questão ambiental com desprezo em plena era das mudanças climáticas, o governo Lula está fazendo uma escolha. Está escolhendo o passado. Eram assim os anos 70."

Não é mera coincidência a referência de ambos, Gabeira e Leitão, às políticas do século passado. Seria mesmo difícil de esperar que esse governo, desde as origens sindicais do Presidente às composições realizadas com as oligarquias políticas regionais, não buscasse o desenvolvimento a qualquer custo, tendo como referência a época da ditadura militar no Brasil, pois ela é a idealização que têm do passado como "época de prosperidade", de "milagre econômico", de "crescimento acelerado"...

Constatação da falta de apoio político do Presidente leva Ministra à demissão 14.05.08

14.05.08


Comentário do editor:

A ministra do Meio Ambiente, senadora Marina Silva, entregou seu pedido de demissão "irrevogável" ontem, depois de avaliar que o presidente da República não mais a apoiava como antes.

O que leva uma pessoa com traquejo político, como a senadora, a avaliar que o desgaste passou dos limites, que já é hora de sair, depois de cinco anos à frente da pasta ganhando nas propostas e projetos sem maior interesse do agronegócio e oligarquias regionais, como as grandes áreas protegidas na Amazônia, mas perdendo em todas as disputas em que estavam em jogo questões relevantes para as citadas forças econômicas e políticas?

Ao que tudo indica, a "gota d'água" foi a entrega pelo presidente da República da coordenação do Programa Amazônia Sustentável a outro ministro, sem avisá-la previamente.

Ela que só tinha olhos para a Amazônia, que é senadora pela região, só então passou a perceber - suponho eu - que apenas servia de fachada ambiental, nacional e internacionalmente, para o governo mostrar que dava importância à questão ambiental. Outros poderiam pensar que se tratou apenas de uma disputa, mais uma, de poder, por recursos a serem aplicados e que poderiam render dividendos políticos. Isso não combina com a história e Marina: eu fico com a primeira hipótese.

Em sua carta de demissão, a ministra faz um balanço das conquistas e realizações em sua gestão. Rever o que conseguiu faz bem para o ego, ainda que normal, simples, sem dimensões imensas como usual em muitos políticos.

Mas certamente deve ter feito, para seu uso, uma lista das várias derrotas, algumas importantes e fundamentais como a questão dos transgênicos, e uma avaliação de como sua relação política com o Presidente foi se desgastando, ao longo dos cinco anos, a cada disputa interna - em que sempre manteve o mais alto grau de lealdade com seu amigo Presidente e com o governo que ele chefia, enquanto seus colegas usavam a imprensa e os grupos de pressão para ganhar as disputas.

Se o desgaste valeu ou não a pena, só o tempo poderá dizer. Se conseguirá recuperar sua imagem desgastada junto ao movimento socioambiental, é questão a ser enfrentada. Se continuará a ter futuro político, sem que o governo e seu partido aja para minar suas bases (como foi feito com o ex-deputado Gilney Viana, do Mato Grosso), é agora uma questão crucial para a senadora Marina Silva.


Política industrial dá isenção tributária com custo equivalente ao Bolsa Família 13.05.08

13.05.08


Comentário do editor:

"O ministro da Fazenda, Guido Mantega, afirmou ontem (12) que o volume total da renúncia fiscal até 2011, com a criação da política de desenvolvimento produtivo pelo governo federal, será de R$ 21,4 bilhões". Fonte: Thaís Leitão, repórter da Agência Brasil

Esse valor equivale ao custo do programa Bolsa Família, que apoiou mais de 11 milhões de famílias, em 2007, todas identificadas e identificáveis, se preciso for.

Essa nova distribuição de recursos, chamada de Política Industrial, mesmo que seja classificada como desoneração de tributos, pode ser relevante para o país, importante para alguns setores e essencial para que algumas empresas tenham mais competitividade internacional, atualmente reduzida devido à sobrevalorização do real. Mas parece que não compensa esse problema, pelo que diz a Fiesp.

Segundo Míriam Leitão, ontem em seu blog, "De uma forma geral, essas políticas setoriais aumentam as distorções da economia e a concentração de renda e têm um funcionamento muito complicado."

Para a devida transparência da alocação de recursos governamentais - e a desoneração é um uso efetivo de recursos públicos - é importante que todos saibamos como foram aplicados esses instrumentos de política e a quem beneficiaram efetivamente. Como o Tesouro Nacional vai compensar a Previdência Social por sua perda de arrecadação, tem-se mais uma razão para cobrar transparência nessa questão.

O governo deve prestar contas do uso da desoneração realizada, dos outros incentivos dados e de quais resultados foram alcançados, dados que permitirão a qualquer cidadão avaliar os resultados da política implementada. Segundo
o secretário de Comércio Exterior, do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Welber Barral, "em cada um dos setores, há metas quantificáveis" e o "governo vai cobrar resultados". Poderá, então, repassar essas informações ao público.

Se isso for realizado, estaremos saindo da era do uso escamoteado de recursos públicos para benefício de poucos, um cipoal de incentivos difícil de destrinchar. Seria um verdadeiro avanço do processo democrático de prestação de contas do Estado.

Caso contrário, o Estado continuará fora do controle cidadão.

Governo brasileiro quer atrair recursos da China, que quer comprar terras 12.05.08

12.05.08

Comentário do editor:

Na sexta-feira passada comentei a intenção do governo da China de investir na compra de terras em outros países, para garantir a produção de alimentos, conforme informação de artigo de Jamil Anderlini, do Financial Times em Pequim, publicado na Folha de São Paulo.

Ontem(11), reportagem de Valdo Cruz, na mesma Folha, fala que o governo brasileiro, através do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio está elaborando uma estratégia para atrair boa parte dos US$ 100 bilhões que o governo chinês planeja investir na América Latina nos próximos quatro anos.

Mas enquanto as notícias da China dizem que eles pretendem comprar terras agrícolas, através de suas empresas, e colocá-las a produzir para sua segurança alimentar, o governo brasileiro pretende que invistam em agregação de valor e exportem produtos industrializados para a própria China.

Aparentemente conversas mais objetivas entre os dois governos ainda não começaram, mas já dá para prever que iremos receber investimentos chineses em indústrias altamente consumidoras de recursos naturais e energia, com geração elevada de poluentes, barganhado por facilidades para investir em terras agrícolas. Os setores citados pela Folha são minério de ferro, soja, couros e autopeças.

Assim, seriam atendidos os desejos de ambos países. Com muita alegria para as elites patrimonialistas que dominam vários estados brasileiros, pois as terras vão sofrer uma hipervalorização com a entrada das empresas chinesas no mercado.

Para ler o artigo de Valdo Cruz, na Folha de São Paulo, clique
aqui (para assinantes da Folha).

China quer segurança alimentar comprando terras em outros países 09.05.08

09.05.08


Comentário do editor:

Ao contrário dos países europeus, que nas últimas décadas do século passado sentiram-se confortáveis, em matéria de segurança alimentar, simplesmente abastecendo-se de soja e outros produtos no mercado internacional, uma expansão territorial disfarçada, a China pretende comprar terras em outros países, com essa finalidade. E o Brasil é um dos países-alvo.

É o que informa o artigo de Jamil Anderlini, do Financial Times em Pequim, que a Folha de São Paulo publicou hoje.

Essas terras seriam compradas e exploradas por suas empresas, não diretamente pelo Estado Chinês, mas mesmo assim questões de segurança nacional serão levantadas pelos países hospedeiros.

É claramente uma estratégia equivocada e ultrapassada, pois bastaria copiar o que fazem as grandes "traders", que têm o controle quase total da produção em suas respectivas áreas de atuação. Através de pré-financiamentos e outras facilidades burocráticas, com relação aos bancos e o sistema financeiro em geral, elas conseguem garantir o suprimento do volume de produtos que necessitam. Sem precisar investir em compra de terras, organização da produção, ou enfrentar nacionalismos e pseudo-nacionalismos dos concorrentes...

Anderlini informa que existe uma proposta, do Ministério da Agricultura, de um programa de apoio à aquisição de terras agrícolas no exterior por empresas agrícolas chinesas. Um funcionário próximo às deliberações disse "Não deve haver problema na aprovação desta política. O problema poderia vir de governos estrangeiros que estejam indispostos a abrir mão de grandes áreas de terra", disse o funcionário.

Ou seja, ainda falta combinar com os adversários, como diria Garrincha...
Para ler o artigo, clique
aqui (para assinantes da Folha)

Subsídios ao transporte individual: uma política anti-social 06.05.08

06.05.08

e aumento de custos no transporte coletivo e de mercadorias

Comentário do editor:
De acordo com a Agência Estado (na Agência Brasil não há referência a essa declaração do ministro), "o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, afirmou hoje que o impacto da desoneração da Cide sobre os combustíveis neste ano será de R$ 2 bilhões, uma vez que a medida entra em vigor já tendo transcorrido quatro meses de 2008. Na semana passada, quando a medida foi anunciada, a renúncia fiscal prevista foi de R$ 3 bilhões num período de um ano. Bernardo explicou que a equipe econômica vai analisar o impacto dessa medida nas receitas e avaliar também o andamento das despesas para verificar se haverá necessidade de aperto adicional nos gastos. 'Essa desoneração de R$ 2 bilhões terá que entrar na nossa conta', disse o ministro. (Fabio Graner, AE)".

O que significa isso? o que significa para nós, cidadãos, o Estado abrir mão de uma receita da ordem de 2 bilhões de reais nesse ano, ou de três bilhões em um ano completo? A CPMF significava R$ 40 bilhões anuais, só para ter uma primeira referência.

Acho que perdemos o significado desses números, e a facilidade com que o governo decide um subsídio dessa ordem, sem menor debate com a sociedade, mostra que eles, que têm a caneta na mão, acham muito fácil abrir mão do nosso dinheiro. Ninguém contesta, reclama ou age contra essa irresponsabilidade social.

Fui ao sítio da ONG
Contas Abertas para ter uma idéia, com base no Orçamento da União de 2008, do que significaria esse esbanjamento, esse subsídio ao consumo individual de combustíveis e penalização do transporte coletivo e de cargas, e tudo que isso implica para a maior parte de nossa população, resultante da decisão do governo. Sem contar a questão ambiental, da qual nada se espera mais desse governo.

Minha primeira reação foi de espanto, achei que a tabela estava em mil reais, e não em reais como era apresentada. Fui ao sítio do Ministério do Planejamento, e verifiquei os números, a ordem de grandeza era aquela mesma do Contas Abertas.

O Orçamento de 2008 prevê os seguintes dispêndios em programas governamentais, para o ano inteiro, calculados como percentuais relativos ao subsídio de R$2 bilhões à gasolina: Segurança da sanidade na agropecuária: 13 %; Minimização de riscos no agronegócio: 10 %; Desenvolvimento da agricultura irrigada: 44%; Pronaf (empréstimos à agricultura familiar): 130%; Conservação e Uso Sustentável da Biodiversidade e dos Recursos Genéticos: 2 %; Urbanização, Regularização Fundiária e Integração de Assentamentos Precários: 65%; e no Bolsa Família, a menina dos olhos do governo: 545%.

E com relação aos gastos do Poder Legislativo, tão visados e criticados, de quanto o governo abriu mão? ora, nossos parlamentares apenas gastarão, durante todo 2008, a seguinte proporção dos recursos que o governo decidiu subsidiar a gasolina: Câmara dos Deputados: 170%; Senado Federal: 140%. (para ver a tabela por programa, clique
aqui; por órgão, aqui).

Não dá mais para reclamar dos parlamentares, concordam?

Produção agrícola nos USA cada vez mais dependente da agroindústria: e aqui, é diferente? 05.05.08

05.05.08


Comentário do editor:
Após ler o artigo de Marcelo Leite, na Folha de São Paulo (clique aqui, para assinantes) de ontem (04), fui à página da Pew Charitable Trusts para ver o estudo (aqui, em inglês) que essa organização divulgou, ao final do mês passado, sobre a insustentabilidade da produção de animais - em escala industrial - para consumo humano. O estudo, que demandou dois anos e meio de trabalho, foi produzido pela Pew em conjunto com a Escola de Saúde Pública Johns Hopkins Bloomberg, e mostra uma série de impactos no meio ambiente, na saúde das comunidades vizinhas dos criatórios, e muito mais. Como ressaltou Marcelo Leite, tomar conhecimento do que é feito nessa indústria, e o que ingerimos ao comer o que é chamado de carne (especialmente de aves e porcos) faz qualquer um perder o apetite...

Aqui no Brasil as questões são semelhantes, e até mesmo o tamanho de criatórios de animais tende a ficar cada vez mais próximo, pois as empresas “integradoras” (grandes frigoríficos processadores) continuamente reduzem as margens de lucro dos criadores, o que os leva a buscar ganhos de escala.

Poder e dependência crescentes

Um ponto ressaltado pelo relatório –além dos impactos verificados – foi que o poder de decisão do agricultor/pecuarista foi inteiramente tomado pela indústria integradora, que agora é quem decide o que será criado, sua quantidade e o valor que pagará ao criador, através de contratos de exclusividade. Isso transformou inteiramente o sistema de produção agropecuário dos Estados Unidos da América, que até pouco tempo atrás era tipicamente familiar, para unidades praticamente de produção/criação em escala industrial.

Os fazendeiros perderam sua antiga autonomia na tomada de decisão em troca de contratos de garantia de compra da produção. A diversidade de produção antes existente, típica da agricultura familiar, acabou, e agora o que se encontra são produções em escala crescente de apenas um produto, seja um animal, ou uma etapa apenas da criação desse animal, ou um monocultivo. E o grande investimento feito para dotar suas propriedades das instalações adequadas, e certamente os empréstimos que para isso tomaram, tornou os fazendeiros reféns da indústria até, pelo menos, conseguirem amortizar suas dívidas.

Alguém se atreveria a dizer que no Brasil isso é diferente? Eu diria, pelo que acompanho desde o início dos anos 90 do século passado, que as conclusões do estudo da Pew aplicam-se ao Brasil há mais de uma década.

Mortes e doenças relacionadas à produção de etanol no Brasil 05.05.08

05.05.08

Os problemas do Etanol

por Doutora Sônia Corina Hess, professora da UFMS

A União da Indústria de Cana-de-Açúcar – UNICA anunciou que, na Região Centro-Sul, onde se concentram 86% da produção nacional, na safra 2008/2009 a cana moída deverá atingir 498,1 milhões de toneladas, um crescimento de 16% em relação à safra 2007/08, quando foram moídas 431,2 milhões de toneladas de cana. A partir desta safra, 32 novas usinas entrarão em operação na região centro-sul, das quais treze em São Paulo, dez em Goiás, quatro em Minas Gerais, quatro em Mato Grosso do Sul e uma no Paraná. Na última safra, 47% da colheita no Estado de São Paulo foi mecanizada, contra 34% registrados na safra 2006/07 (UNICA, 2008). Segundo Ribeiro (2008), o corte da cana é mecanizado em 25% da produção brasileira.

Durante o período de safra, os canaviais que são colhidos manualmente sofrem a queima pré-corte, para facilitar o trabalho dos cortadores, evitar a sua exposição a animais peçonhentos e, também, aumentar o teor de açúcar da cana, decorrente da evaporação da água (GODOI et al, 2004).

Segundo Alves (2006), "a produtividade média do trabalho no corte de cana, que em 1950 era de 3 toneladas de cana cortadas por dia/homem, no final da década de 1990 e início da presente década atingiu 12 toneladas de cana por dia. Ao cortar esta quantidade de cana, um trabalhador, em média, realiza as seguintes atividades em um dia:
- caminha 8.800 metros;
- despende 133.332 golpes de podão;
- carrega 12 toneladas de cana em montes de 15 kg;
- faz 800 trajetos e 800 flexões, levando 15 kg nos braços por uma distância de 1,5 a 3 metros;
- faz aproximadamente 36.630 flexões e entorses torácicos para golpear a cana; e
- perde, em média, 8 litros de água por dia, por realizar toda esta atividade sob sol forte, sob os efeitos da poeira, da fuligem expelida pela cana queimada e trajando uma indumentária que o protege da cana, mas aumenta sua temperatura corporal".

Segundo apontam este e outros autores (SILVA, 2005; RIBEIRO, 2008), o excesso de trabalho e as condições em que este ocorre explicariam as mortes súbitas vitimaram, pelo menos, 19 trabalhadores rurais cortadores de cana em São Paulo desde 2004. Ainda, segundo Silva (2008), as condições de trabalho dos cortadores de cana têm encurtado o seu ciclo de vida útil na atividade, que passou a ser inferior ao do período da escravidão, que era de 10 a 12 anos, até 1850.

Muitos trabalhos científicos têm destacado que, em queimadas de biomassa, a combustão incompleta resulta na formação de substâncias potencialmente tóxicas, tais como monóxido de carbono, amônia e metano, entre outros, sendo que o material fino, contendo partículas menores ou iguais a 10 mm (PM10) (partículas inaláveis), é o poluente que apresenta maior toxicidade e que tem sido mais estudado. Ele é constituído em seu maior percentual (94%) por partículas finas e ultrafinas, ou seja, partículas que atingem as porções mais profundas do sistema respiratório, transpõem a barreira epitelial, atingem o interstício pulmonar e são responsáveis pelo desencadeamento de doenças graves (ARBEX et al, 2004; GODOI et al, 2004).

Um estudo realizado em Piracicaba/SP (CANÇADO et al, 2006a) comprovou que a queima da cana-de-açúcar nos canaviais da região ocasionou o aumento da concentração de PM10 na atmosfera, e que este repercutiu no em um maior número de atendimentos de crianças e idosos em hospitais, para tratamento de problemas respiratórios. Em Araraquara/SP, pesquisadores revelaram que a poluição atmosférica gerada pela queima da cana-de-açúcar levou a um significativo aumento dos atendimentos hospitalares para tratamento de asma (ARBEX et al, 2007).

É importante destacar os dados apresentados por Cançado e colaboradores (2006b) entre outros pesquisadores brasileiros (CENDON et al, 2006; MARTINS et al, 2006), segundo os quais "estudos experimentais e observacionais têm apresentado evidências consistentes sobre os efeitos da poluição do ar, especialmente do material particulado fino, na morbidade e mortalidade por doenças cardiovasculares (cardíacas, arteriais e cerebrovasculares). Tanto efeitos agudos (aumento de internações e de mortes por arritmia, doença isquêmica do miocárdio e cerebral), como crônicos, por exposição em longo prazo (aumento de mortalidade por doenças cerebrovasculares e cardíaca) têm sido relatados. O aumento da poluição do ar tem sido associado ao aumento da viscosidade sangüínea, de marcadores inflamatórios e da progressão da arteriosclerose, a alterações da coagulação, à redução da variabilidade da freqüência cardíaca (indicador de risco para arritmia e morte súbita), à vasoconstricção e ao aumento da pressão arterial, todos fatores de risco para doenças cardiovasculares. Ainda, um abrangente estudo encontrou risco aumentado de mortalidade relacionada à poluição do ar que variou de 8% a 18%, para diversos tipos de doenças cardíacas". Portanto, tais dados levam a inferir-se que a exposição dos cortadores a materiais particulados gerados durante a queima da cana, é um fator importante a ser considerado como possível causa da morte súbita de alguns destes trabalhadores.

Uma equipe de pesquisadores do Instituto do Coração (INCOR), da Universidade de São Paulo, sob a coordenação do Dr. Ubiratan de Paula Santos, concluiu, na primeira semana de maio de 2008, levantamentos de parâmetros relativos às condições de trabalho e saúde de um grupo de cortadores de cana, que deverá resultar em novas e importantes conclusões sobre os efeitos dos poluentes atmosféricos gerados pela queima da cana-de-açúcar, na saúde destes trabalhadores.

Em 1991, o pesquisador britânico Phoolchund ressaltou que "os trabalhadores das plantações de cana-de-açúcar apresentam elevados níveis de acidentes ocupacionais e estão expostos à alta toxicidade dos pesticidas. Eles também podem apresentar um risco elevado de adoecerem por câncer de pulmão (mesotelioma), e isto pode estar relacionado à prática da queima da palha, na época da colheita da cana." Estudos recentes têm comprovado as suspeitas daquele pesquisador.

Dentre as substâncias presentes nos materiais particulados finos liberados durante a queima de biomassa (vegetação), os hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (HPAs) são os mais danosos à saúde, apresentando atividades mutagênicas, carcinogênicas e como desreguladores do sistema endócrino (ZAMPERLINI et al, 1997; GODOI et al, 2004). Em um estudo realizado em Araraquara/SP, durante a época da colheita da cana, foi encontrada uma concentração do HPA benzo-a-pireno (carcinogênico), maior do que em Londres e em outras grandes cidades, e foi sugerido que tal substância provinha de queimadas em canaviais existentes na região. A mesma fonte de poluição atmosférica foi apontada como responsável pela elevada concentração das partículas totais em suspensão encontradas no estudo, que atingiram a média de 103 microgramas por metro cúbico, valor superior ao limite de 80 microgramas por metro cúbico, estabelecido pela resolução 03 de 1990, do Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA (GODOI et al, 2004).

Em um estudo divulgado em 2006 (BOSSO et al, 2006) foi constatado que cortadores de cana saudáveis e não-fumantes que trabalhavam em canaviais do Estado de São Paulo, na época da colheita, apresentavam na urina substâncias que indicavam que estes trabalhadores haviam sido intensamente expostos a HPAs genotóxicos e mutagênicos, e que fora do período de colheita, estes teores eram bem menores. Segundo os autores, o estudo comprovou que as condições de trabalho expõem os cortadores de cana a poluentes que levam ao risco potencial de adoecimento, principalmente, por problemas respiratórios e câncer de pulmão.

Diante do exposto, conclui-se que os estudos científicos já divulgados comprovam que a poluição atmosférica originada pela prática da queima da cana-de-açúcar, como parte do processo produtivo do etanol, no Brasil, repercute em riscos severos à saúde dos trabalhadores e da população em geral, devendo ser abolida imediatamente.

Também é urgente a reformulação da legislação trabalhista que regula a contratação dos cortadores de cana, para evitar-se que estes continuem a trabalhar em condições de esforço físico muito superiores àquelas que um ser humano pode suportar.

REFERÊNCIAS

ALVES, F. Por que morrem os cortadores de cana? Saúde e Sociedade. V. 15, p. 90-98, 2006.

ARBEX, M. A.; CANÇADO, J. E. D.; PEREIRA, L. A. A.; BRAGA, A. L. F.; SALDIVA, P. H. N. Queima de biomassa e efeitos sobre a saúde. Jornal Brasileiro de Pneumologia. V. 30, p 158-175, 2004.

ARBEX, M. A.; MARTINS, L. C.; OLIVEIRA, R. C.; PEREIRA, L. A. A.; ARBEX, F. F.; CANÇADO, J. E. D.; SALDIVA, P. H. N.; BRAGA, A. L. F. Air pollution from biomass burning and asthma hospital admissions in a sugar cane plantation area in Brazil. Journal of Epidemiology and Community Health. V. 61, p. 395-400, 2007.

BOSSO, R. M. V.; AMORIM, L. M. F.; ANDRADE, S. J.; ROSSINI, A.; MARCHI, M. R. R.; LEON, A. P.; CARARETO, C. M. A.; CONFORTI-FROES, N. D. T. Effects of genetic polymorphisms CYP1A1, GSTM1, GSTT1 and GSTP1 on urinary 1-hydroxypyrene levels in sugarcane workers. Science of the Total Environment. V. 370, p. 382-390, 2006.

CANÇADO, J. E. D.; BRAGA, A. L. F. ; PEREIRA, L. A. A.; ARBEX, M. A. ; SALDIVA, P. H. N. ; SANTOS, U. P. Repercussões clínicas da exposição à poluição atmosférica. Jornal Brasileiro de Pneumologia (Online). V. 32, p. 5-11, 2006b.

CANÇADO, J. E. D.; SALDIVA, P. H. N.; PEREIRA, L. A. A.; LARA, L. B. L. S.; ARTAXO, P.; MARTINELLI, L. A.; ARBEX, M. A.; ZANOBETTI, A.; BRAGA, A. L.F. The impact of sugar cane–burning emissions on the respiratory system of children and the elderly. Environmental Health Perspectives. V. 114, p. 725-729, 2006a.

CENDON, S. P.; PEREIRA, L. A. A.; BRAGA, A. L. F.; CONCEIÇÃO, G. M. S.; CURY JÚNIOR, A.; ROMALDINI, H.; LOPES, A. C.; SALDIVA, P. H. N. Air pollution effects on myocardial infarction. Revista de Saúde Pública. V. 40, p. 414-419, 2006.

GODOI, A. F. L.; RAVINDRA, K.; GODOI, R. H. M.; ANDRADE, S. J.; SANTIAGO-SILVA, M.; VAN VAECK, L.; VAN GRIEKEN, R. Fast chromatographic determination of polycyclic aromatic hydrocarbons in aerosol samples from sugar cane burning. Journal of Chromatography A. V. 1027, p. 49-53, 2004.

MARTINS, L. C.; PEREIRA, L. A. A.; LIN, C. A.; PRIOLI, G.; LUIZ, O. C.; SALDIVA, P. H. N.; BRAGA, A. L. F. The effects of air pollution on cardiovascular diseases: lag structures. Revista de Saúde Pública. V. 40, p. 677-683, 2006.

PHOOLCHUND, H. N. Aspects of occupational health in the sugar cane industry. Occupational medicine. V. 41, p. 133-136, 1991.

RIBEIRO, H. Queimadas de cana-de-açúcar no Brasil: efeitos à saúde respiratória. Rev. Saúde Pública. V. 42, p. 370-376, 2008.

SILVA, M. A. M. in ZAFALON, M. Cortadores de cana têm vida útil de escravo em SP. Jornal Folha de São Paulo. 29/04/2007 – Seção Dinheiro.

SILVA, M. A. M. Trabalho e trabalhadores na região do "mar de cana e do rio do álcool". Agrária. N. 2, p. 2-39, 2005.

UNICA. Disponível em http://www.portalunica.com.br. Acessado em 03/05/2008.

ZAMPERLINI, G. C. M.; SILVA, M. R. S.; VILEGAS, W. Identification of polycyclic aromatic hydrocarbons in sugar cane soot by gas chromatography-mass spectrometry. Chromatographia. V. 46, p. 655-663, 1997.


Governo ajuda a destruir agronegócio indígena 28.04.08

28.04.08


Comentário do editor:

Há mais de dez anos atrás, foi criada
a Associação dos Povos Timbira do Maranhão e Tocantins – Wyty-Catë, com o apoio do Centro de Trabalho Indigenista – CTI, e um de seus objetivos era implantar uma unidade de processamento de frutos do Cerrado.

Mas não um simples processamento que estava na mente dos fundadores, indígenas e apoiadores. Foi criada uma empresa - FrutaSã - para tocar o empreendimento, e seus lucros seriam divididos pelos grupos indígenas participantes do projeto, a título de distribuição dos resultados.

Além disso, a FrutaSã organizou um sistema de coleta, beneficiando não apenas frutos colhidos por eles mesmos mas, e principalmente, aqueles oriundos dos pequenos produtores de sua região de atuação, no sul do Maranhão: a cidade de Carolina sedia o projeto, mas também há coleta de frutos em
Amarante, Montes Altos, Lageado Novo, Fernando Falção, Grajaú e Barra do Corda – no Maranhão; Itacajá, Goiatins, Tocantinópolis, Maurilândia, São Bento, Wanderlândia e Santa do Maria do Tocantins – no Tocantins. São mais de 300 famílias de pequenos produtores, algo em torno de 2.000 pessoas, que elevam sua renda com a coleta de frutos e venda à empresa indígena. Os Timbira são 6.000 pessoas, aproximadamente.

Povos indígenas se associando no marco do capitalismo, articulando-se com a sociedade envolvente, e acreditando que poderiam se beneficiar desse ambiente, como qualquer outra empresa no Brasil. E entraram no agronegócio de polpas de frutas congeladas, vendendo bem em supermercado de São Luís (MA).

Será que o leitor é capaz de imaginar as dificuldades enfrentadas pelos indígenas nessa aventura cultural? O projeto ainda existe, e isso, em si, já foi um sucesso.

Mas o governo brasileiro autorizou a construção de uma hidrelétrica, a de Estreito, que alagará grande parte das áreas de coleta de frutas que atende à FrutaSã, o que levará o projeto a viver seus últimos dias, por uma decisão de governo.

Veja nota dos movimentos sociais locais a respeito dessa hidrelétrica em Opinião

Cerrado + Piauí: repercussão Zero 10.03.08

10.03.08

Comentário do editor: Biomicídios consentidos

A Desembargadora Selene, do Tribunal Regional Federal, 1ª Região, proferiu importante decisão -no que foi acompanhada pela unanimidade de seus colegas - buscando fazer justiça e evitar que continue a devastação do Cerrrado Piauiense para ser queimado como lenha em caldeiras industriais. A notícia saiu em poucos sítios na Internet, entre os quais este Observatório. Nos jornalões, nada. Mas é querer muito, não? juntar a pouca importância dada pela sociedade brasileira -que naturalmente reflete-se na mídia nacional - ao bioma Cerrado e a um dos estados mais pobres da Federação.

O Cerrado está aí pronto para ser destruído para aumentar a produção de grãos para a exportação (seja "in natura", farelo e óleos, seja agora em forma de carnes), para produzir o etanol em uma pseudo-salvação do planeta pelos neo-heróis do presidente da República. O governo só tem sensibilidade para o que pode afetar sua imagem internacional, por isso fica cheio de "não-me-toques" se o assunto tem "griffe" internacional, como é o caso da Amazônia, e presta alguma atenção quando é "griffe" nacional, como a Mata Atlântica. Aí, não pode derrubar uma só árvore... Até vale inventar uma realidade que não existe, como não haver produção de etanol na Amazônia.

Enquanto isso, o "correntão" come solto no Cerrado, cada semana mais e mais trabalhadores são encontrados em condições de trabalho similares a servidão forçada, até trabalhador marcado a ferro quente "por dono de gado e gente" (alguém se lembra de "Disparada"?) ainda temos por aí.

Resta esperar que a Justiça brasileira crie uma jurisprudência baseada no voto da 5ª turma do TRF-1ª Região, onde a Desembargadora Selene Maria de Almeida alerta que a situação do Cerrado no Piauí, em termos relativos, é muito pior que o desmatamento da Amazônia.

Só não vê quem não quer...

Tentativas de homicídio 05.03.08

05.03.08

Por Sônia Hess, doutora em química, professora da UFMS

Os cientistas brasileiros e de outros países comprovaram que a exposição aos poluentes liberados durante a queima da cana-de-açucar ou de outros materiais vegetais tem causado o adoecimento e a morte de milhares de pessoas todos os anos. Isto tem sido bastante óbvio para quem mora nas regiões onde há plantações de cana, cujo período de queima coincide, exatamente, com o aumento da procura de pacientes por serviços médicos, em hospitais e postos de saúde.

É importante enfatizar que os poluentes tóxicos presentes na fumaça proveniente da queima da biomassa (lenha, cana, pasto, etc) causam não só problemas respiratórios mas, também, circulatórios. Ou seja, alguém com hipertensão, ou acidente vascular, ou infarto, pode estar sendo vítima dos efeitos dos poluentes atmosféricos provenientes da queima da cana ou de outros vegetais.

Também tem sido enfatizado em muitos trabalhos científicos que a exposição aos materiais particulados e a outros poluentes presentes nas emissões gasosas de indústrias e veículos, principalmente os movidos a diesel, está relacionada ao surgimento de doenças e, inclusive, a muitos óbitos, na população exposta.

Portanto, os dados científicos têm demonstrado que estão sendo vítimas de atentados contra a sua vida e saúde, as pessoas que moram em municípios onde há canaviais, na época da queima da cana; ou aquelas que respiram a fumaça proveniente de incêndios florestais ou queimadas; ou aquelas que convivem com as emissões de fontes pontuais de poluição, como carvoarias e indústrias, especialmente as siderúrgicas, ou dispositivos de geração de energia movidos a óleo bruto ou diesel; e, também, as pessoas expostas à fuligem e a outros materiais tóxicos liberados por veículos desregulados abastecidos, principalmente, com diesel. Em resposta a tais agressões, as pessoas deveriam: - procurar a delegacia de polícia mais próxima e registrar queixa contra o proprietário do veículo poluidor ou do local onde está a fonte da poluição atmosférica (canavial ou vegetação incendiada, indústria, carvoaria, gerador de energia, etc), responsabilizando-o pelo lançamento de poluentes atmosféricos que colocam em risco a vida e a saúde das pessoas, o que constitui-se em um crime de tentativa de homicídio. Também deveriam exigir que um perito criminal vistoriasse o veículo poluidor ou as citadas fontes de poluição, para que fossem registradas provas oficiais do delito; - deveriam fazer o mesmo os pais ou parentes de crianças ou pessoas idosas, bem como os próprios pacientes, que tivessem que receber atendimento médico devido aos agravos á saúde (incluindo-se aqui os problemas respiratórios e circulatórios) decorrentes da intensificação da poluição atmosférica originária das queimadas, da queima da cana ou da poluição veicular e industrial, exigindo o pagamento de indenização, não só por parte dos responsáveis pelas fontes dos poluentes mas, também, do poder público, que deixou de cumprir com o seu papel de controle, visando a proteção da saúde e da vida da população; - se, por ventura, os referidos danos à saúde resultassem na morte do paciente, seus parentes deveriam registrar queixa por homicídio, contra os responsáveis pela origem da poluição que o vitimou e, também, contra as autoridades que foram cúmplices de tal delito, por omissão.

Por mais que possam parecer estranhas, estas propostas são totalmente coerentes com as inúmeras evidências cientificas que comprovaram que milhares de pessoas têm morrido, todos os anos, no Brasil e em diversas partes do mundo, devido à exposição a materiais perigosos presentes na fumaça liberada na queima da cana ou da vegetação, e de outras fontes de poluição atmosférica. Portanto, só falta, agora, a população tomar consciência destes crimes e exigir a punição dos criminosos.



Algumas Referências – Queima de Vetação/Cana-de-Açucar X Saúde

Arbex, M. A.; Cançado, J. E. D.; Pereira, L. A. A.; Braga, A. L. F.; Saldiva, P. H. N. Queima de biomassa e efeitos sobre a saúde. Jornal Brasileiro de Pneumologia. V. 30, p 158-175, 2004.

Cançado, J. E. D.; Saldiva, P. H. N.; Pereira, L. A. A.; Lara, L. B. L. S.; Artaxo, P.; Martinelli, L. A.; Arbex, M. A.; Zanobetti, A.; Braga, A. L.F. The impact of sugar cane–burning emissions on the respiratory system of children and the elderly. Environ Health Perspect. V. 114, p. 725-729, 2006.

Ometto, A. R.; Mangabeira, J. A. C.; Hott, M. C. Mapeamento de potenciais de impactos ambientais da queima de cana-de-açúcar no Brasil. Anais XII Simpósio Brasileiro de Sensoriamento Remoto. Goiânia, abril 2005, INPE, p. 2297-2299.

Paterlini, W. C.; Wiatr, A. G.; Cardoso, A. A.; Allen, A. G. O impacto da queima da cana-de-açúcar na formação do material particulado na atmosfera da região central do estado de São Paulo. Anais da 29a Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Química. Poços de Caldas, maio 2006, SBQ.

Roseiro, M. N. V.; Takayanagui, A. M. M. Meio ambiente e poluição atmosférica: o caso da cana-de-açucar. Saúde. V. 30, p. 76-83, 2004.

Algumas Referências – Diesel X Saúde

Ackland, M. L.; Zou, L.; Freestone, D.; Van De Waasenburg, S.; Michalczyk, A. A. Diesel exhaust particulate matter induces multinucleate cells and zinc transporter-dependent apoptosis in human airway cells. Immunol. Cell Biol. V. 85, p. 617-622, 2007.

Clean Air Task Force (Boston, MA). Diesel and health in America: the lingering threat. Govt Reports Announcements & Index (GRA&I), n. 22, 2005.

Garshick, E.; Laden, F.; Hart, J. E.; Rosner, B.; Smith, T. J.; Dockery, D. W.; Speizer, F. E. Lung cancer in railroad workers exposed to diesel exhaust. Environ. Health Perspect. V. 112, p. 1539-1543, 2004.

Gustavsson, P.; Plato, N.; Lidstrom, E.B.; Hgstedt, C. Lung cancer and exposure to diesel exhaust among bus garage workers. Scandinavian Journal of Work, Environment and Health. V. 16, p. 348-354, 1990.

Hart, J. E.; Laden, F.; Schenker, M. B.; Garshick, E. Chronic obstructive pulmonary disease mortality in diesel-exposed railroad workers. Environ. Health Perspect. V. 114, p. 1013-1017, 2006.

Pohjola, S. K.; Lappi, M.; Honkanen, M.; Rantanen, L.; Savela, K. DNA binding of polycyclic aromatic hydrocarbons in a human bronchial epithelial cell line treated with diesel and gasoline particulate extracts and benzo[a]pyrene. Mutagenesis. V. 18, p. 429-438, 2003.

Ritz, S. A.; Wan, J.; Diaz-Sanchez, D. Sulforaphane-stimulated phase II enzyme induction inhibits cytokine production by airway epithelial cells stimulated with diesel extract. Am. J. Physiol. Lung Cell Mol. Physiol. V. 292, p. L33-9, 2007.

Em busca da terceira margem 28.02.08

28.02.08

Por Ricardo Abramovay,
Professor titular do Departamento de Economia da FEA e pesquisador do CNPq. www.econ.fea.usp.br/abramovay

Quanto é o suficiente? É difícil imaginar questão mais importante para a civilização contemporânea do que a formulada por Ghandi em plena ocupação britânica. Não é sem razão que a Índia e Ghandi ocupam lugar central na trajetória de Ignacy Sachs, criador da expressão “ecodesenvolvimento” nos anos 1970 e que acaba de publicar, no momento em que completa 80 anos, sua autobiografia: La troisième rive – À la recherche de l’écodéveloppement” (Bourin Éditeur, Paris).

Professor emérito da École des Hautes Études en Sciences Sociales, de Paris, autor de mais de trinta livros e com influência internacional marcante no estudo do desenvolvimento, Sachs tem uma história intelectual que abala o ceticismo daqueles que se habituaram a enxergar a economia como a ciência cinzenta, segundo a qual os preços são capazes, em última análise de sinalizar aos indivíduos as escolhas que devem fazer, daí resultando a melhor ordem social possível. No cerne da questão ghandiana está o desafio fundamental da construção do desenvolvimento sustentável: a mudança nos padrões de produção e consumo que caracterizam as sociedades contemporâneas.

A decisão sobre o quanto é suficiente não decorre do puro e neutro exercício de uma racionalidade em que o indivíduo responde mecanicamente a estímulos, mas envolve, antes de tudo questões de natureza ética. Tampouco a questão da justiça social pode ser concebida apenas a partir da idéia de que é necessário melhorar a distribuição do que existe: é fundamental alterar as próprias bases produtivas da vida social, cujas atuais repercussões sobre os recursos de que dependemos são catastróficas. Sachs foi dos primeiros a mostrar que o milagre do crescimento chinês apoiava-se na verdade sobre fantástica concentração de renda e destruição dos recursos naturais.

Dois traços fundamentais caracterizam a abordagem de Sachs e fazem dele um dos grandes pensadores de nosso tempo. Em primeiro lugar, da mesma forma que Gunnar Myrdal, Amartya Sen e Celso Furtado – com os quais conviveu e trabalhou diretamente – Sachs não separa os fenômenos econômicos das demais esferas da vida social. Convidado recentemente a fazer uma conferência sobre “ética e desenvolvimento”, ele começa – grande contador de histórias que é – com a anedota do filho que pergunta ao pai: onde é o rabo da serpente? Meu filho, responde o pai, a serpente nada mais é que um grande rabo. O desenvolvimento, como bem mostra Amartya Sen, não pode ser definido senão enquanto liberdade e enquanto ética.

Mas além desta atitude que recusa a separação disciplinar que marca tão fortemente a história das ciências sociais no Século XX e que insere os temas éticos no âmago da vida científica, Sachs aborda o estudo das sociedades humanas sob um ângulo material e não apenas a partir da maneira como as relações entre os indivíduos se traduzem no sistema de preços. Esta materialidade não envolve só o reconhecimento dos interesses e dos grupos sociais: ela parte da premissa de que a vida econômica deve ser compreendida com base no metabolismo que se estabelece entre sociedade e natureza. Daí o fato de, já no final dos anos 1970, ter liderado um projeto para as Nações Unidas voltado ao estudo das relações entre alimentos e energia. Deste projeto resultou contribuição decisiva e original para a crescente polêmica internacional em torno dos biocombustíveis. Sachs recusa o que julga ser atitude irresponsável daqueles que consideram que os biocombustíveis representarão fatalmente a redução da produção alimentar mundial e a devastação ambiental em larga escala. É verdade, insiste ele, que a energia mais valiosa é aquela que se deixa de utilizar. Portanto, a parcimônia no uso dos recursos (o quanto é o suficiente? de Ghandi) é decisiva. Reduzir o uso do automóvel individual e ampliar o alcance de modalidades alternativas de transporte é essencial. Mas isso não basta, uma vez que esta parcimônia deve ser compatibilizada com a necessidade de geração de renda para os mais pobres, por meio de atividades socialmente úteis: a expansão de biocombustíveis abre potencialmente caminho para a expansão das capacidades produtivas dos que hoje estão em situação de pobreza. Este potencial será de fato revertido a favor da emancipação das populações mais carentes ou servirá de motor à concentração de renda? Será uma ocasião para o uso sustentável da biodiversidade ou dará lugar à destruição? As respostas a estas questões não estão dadas de antemão.

A abordagem da questão ghandiana não passa, para Sachs, pela recusa do crescimento econômico mas, antes de tudo, pelo planejamento. E neste sentido, tanto quanto a Índia, seu país natal, a Polônia, exerce sobre sua obra um papel de destaque. Sua família conseguiu fugir para o Brasil durante a Segunda Guerra Mundial e ele terminou em São Paulo o Lycée Pasteur e, no Rio, formou-se em economia pela Cândido Mendes enquanto trabalhava na embaixada da Polônia. Em 1954, em plena guerra fria, decide transferir-se com esposa e dois filhos para aquele país, onde trabalha com Oskar Lange, Michal Kalecki e o historiador Witold Kula.

O livro tem histórias extraordinárias tanto sobre a vida intelectual do Rio nos anos 1940 como sobre o que era, na prática a vida dos responsáveis por pensar o planejamento em um país do bloco socialista. Mas, sobretudo, o livro mostra (a partir do exemplo de uma sociedade regida supostamente por planejamento central) como a tradução da pergunta ghandiana à esfera prática é difícil.

A eficiência dos organismos responsáveis pelo plano depende, é claro, de sua capacidade de acolher as aspirações populares e de contemplá-las nos limites dos recursos disponíveis. No entanto, sob um regime ditatorial, estas aspirações são expressas sempre de forma distorcida, a partir do filtro de uma representação política opaca e viciada.

Os grandes objetivos éticos do planejamento pulverizam-se na maneira como se organiza o poder para levá-los supostamente adiante. Optar pela liberdade de mercado como solução a este drama – e por aí reduzir a dimensão ética da escolha social simplesmente àquilo que fazem os indivíduos – é consagrar a desigualdade e abrir espaço para a devastação.

A terceira margem (La troisième rive) – alusão ao conto de Guimarães Rosa – exprime a convicção de que é possível uma solução a este dilema que não se reduza a um sincretismo insosso. Mas o subtítulo da autobiografia de Ignacy Sachs mostra que esta terceira margem ainda não está desenhada e que estamos todos “à procura do ecodesenvolvimento”.

A propósito da resposta da Brasil Ecodiesel, reprodução do Comentário do Editor 21.01.08

21.01.08
(21.01.08, página A Notícia)
: espero e faço votos que a empresa obtenha sucesso em suas propostas e que isso reflita-se efetivamente na melhoria da qualidade de vida da população que participa do projeto. Ressalto que em momento algum este Observatório levantou "calúnias, infâmias e imprecações sistemáticas..." como afirma a empresa em sua nota, e pode ser facilmente verificado na matéria do dia 18. Certamente ela está se dirigindo a outros órgãos de imprensa ou a outras pessoas, não ao Observatório do Agronegócio ou seu editor. Nossa página "Opinião" está aberta a artigos de representantes da empresa que queiram divulgar seus pontos de vista, ou rebater argumentos de algum articulista. Nosso objetivo básico é difundir fatos, notícias e assuntos que digam respeito -de forma direta ou indireta - ao agronegócio, e sempre ouvir e divulgar a percepção e opinião de todos os interessados, bem como incentivar debates. E foi isso que ocorreu: vimos a reportagem em outro órgão de imprensa e procuramos imediatamente a Brasil Ecodiesel, para ter sua versão dos fatos. Infelizmente, apesar dos dois dias que se passaram entre a divulgação inicial da reportagem na internet, por um órgão da imprensa local, e o contato do Observatório, a empresa ainda não havia preparado uma resposta, e a nossa matéria não pode dar simultaneamente as duas visões aos seus leitores.
Das notícias pesquisadas e das respostas da empresa, surgem outras questões que merecem ser esclarecidas. Espero obter um dia uma entrevista com algum dirigente da Ecod, e trazer aos leitores, na edição do dia seguinte, as respostas a essas dúvidas. E como se diz em Minas Gerais, "
perguntar não ofende...":(a ordem das perguntas não reflete a importância de cada uma, é apenas uma seqüência de dúvidas...):

1- Na seleção dos parceiros, o quesito "aptidão para tornarem-se empreendedores" foi eliminatório?
2- Os parceiros passaram e continuam passando por cursos de capacitação para se tornarem empreendedores? (transformar alguém em empreendedor não é coisa trivial...) que cursos, quantas horas/aula? quantas horas de supervisão anual na questão específica de empreendedorismo (não contar alfabetização, questões agrícolas, etc)?
3- Nesses quatro anos de trabalho, existem avaliações do avanço dos parceiros rurais no papel de empreendedores?
4- que tipo de "espaço" para tomada de decisões, para iniciativas, além das relativas à época do plantio, existe para os parceiros?
5- As crianças e adolescentes frequentam a escola em período integral, de dois turnos? há controle rígido de freqüência e verificação nas residências de motivos de ausências? a eles são oferecidas pelo menos três refeições diárias? caso seja escola de apenas um período, que tipo de atividade é a mais comum entre elas no tempo em que não estão nas escolas? nesse caso, também, há alguma oferta de atividades complementares, na escola ou algum centro de desenvolvimento social?
6- As crianças que ficam tapando buracos por alguns trocados são de famílias de parceiros? funcionários da Ecod certamente devem ter passado por elas nas estradas: que providência tomaram para resolver a questão (se forem ou não filhos de parceiros, já que é ou era uma situação de trabalho infantil que a empresa combate)?
7- Qual foi o resultado dos plantios anteriores de mamona na Fazenda Santa Clara? qual foi a produtividade e o total da produção? e quanto ao feijão?
8- Qual foi a renda média obtida pelos parceiros nas safras anteriores? correspondeu às expectativas deles e da empresa? qual percentual da produção total dos parceiros foi comercializada com o Ecad e quanto com outros compradores?
9- Na unidade de processamento de Floriano, qual foi a percentagem da mamona entre as matérias primas vegetais utiizadas na produção do biodiesel? se usa soja, qual sua percentagem no total de m.p. e qual é sua origem?
10- A Brasil Ecodiesel não se beneficia dos incentivos proporcionados pelo fato de usar produtos da agricultura familiar para fabricar o biodiesel?

Certamente outras questões surgirão mais adiante, mas a resposta a essas acima listadas certamente ajudará todos nós a entender um pouco mais o processo sociocultural do empreendimento

Novas tecnologias para o financiamento da agricultura familiar 17.01.08

17.01.08

Por Ricardo Abramovay, Professor titular do Departamento de Economia da FEA e pesquisador do CNPq. www.econ.fea.usp.br/abramovay

O Brasil é hoje o único país em que bancos comerciais pertencentes ao Estado fazem empréstimos a agricultores vivendo próximo à linha de pobreza, não apenas com base em recursos do Tesouro e apoiados em importantes subsídios, mas com garantias que isentam as organizações financeiras de qualquer risco. Subsídios nas taxas de juros são praticados de forma mais ou menos freqüente em diversos programas da União Européia, da África, em países asiáticos, além de outras nações latino-americanas. Bancos estatais estão presentes de maneira massiva nas atribuições de crédito na Índia e na Indonésia. Esta presença pode ser direta ou por meio do repasse de recursos públicos a organizações não governamentais, como ocorre na Índia. Mas o Brasil é o único caso em que, além de se apoiar em fundos públicos e em recursos do Tesouro, os empréstimos são concedidos com base na garantia de que o Estado cobrirá os prejuízos decorrentes de seu eventual não pagamento.
O resultado é que pela primeira vez em sua história, a partir do ano 2000, populações rurais desprovidas de patrimônio e garantias bancárias, nas localidades mais pobres do País, tiveram, de forma massificada, acesso ao crédito. Dos 4,2 milhões de agricultores familiares brasileiros, cerca de 2 milhões recebem financiamentos bancários, no âmbito do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, o PRONAF. Destes, quase metade inclui-se entre os segmentos mais pobres do setor. São, muitas vezes beneficiários do bolsa-família e seus créditos chegam a R$ 1,5 mil a cada dois anos.
A contrapartida desta massificação, porém, no caso brasileiro, é um preocupante e crescente nível de inadimplência. A tal ponto que a Secretaria de Agricultura Familiar do Ministério do Desenvolvimento Agrário publicou, ao final de 2007, a portaria 105, determinando a suspensão de novos financiamentos em todos os municípios em que os atrasos de pagamento superam 15% dos contratos e onde haja, ao mesmo tempo, mais de 50 contratos atrasados. Nestes municípios, somente poderão receber crédito aqueles agricultores que estão com suas contas em dia junto ao sistema bancário ou aqueles cujos financiamentos sejam atribuídos por meio de novas tecnologias de empréstimo levadas adiante tanto pelo Banco do Brasil como pelo Banco do Nordeste.
Mas será que a recuperação dos créditos atrasados (e, com ela, a salvação daquele que é certamente o mais importante programa brasileiro voltado à geração de renda para os mais pobres) é compatível com a manutenção das garantias que o Tesouro oferece e que isentam de risco os agentes financeiros? É claro que se os bancos respondessem pela inadimplência – como o fazem em suas operações comerciais correntes – ela seria irrisória. No entanto, a inclusão do risco bancário eliminaria a possibilidade de famílias pobres receberem empréstimos e, portanto, fecharia um dos poucos caminhos para ampliar sua capacidade de geração de renda.
Será que é inevitável o confronte entre a saúde do sistema financeiro (e das contas públicas) e o atendimento de necessidades econômicas básicas dos mais pobres? A presença do Estado na construção de um sistema financeiro voltado ao atendimento das necessidades dos mais pobres tem fatalmente como resultado a inadimplência generalizada?
Três iniciativas recentes permitem certo grau de otimismo na resposta a esta pergunta. A primeira vem dos próprios bancos estatais. Banco do Brasil e Banco do Nordeste estão introduzindo novas modalidades de empréstimo cuja característica central é a aplicação das tecnologias do microcrédito ao PRONAF. Até aqui, os recursos eram atribuídos aos agricultores como tradução de um direito incontestável, resultante de sua condição de pobreza. Que este direito prevaleça no acesso à saúde, à educação e mesmo ao bolsa-família, nada mais justo. Mas quando se trata de crédito, o acesso não pode basear-se apenas na idéia de que se está pagando uma dívida social. Qualquer sistema de crédito supõe mecanismos que transmitam informações sobre a qualidade dos projetos e a disposição a pagar dos que tomam os recursos. Isto simplesmente não existia até agora. No caso do Banco do Nordeste a introdução recente da figura do assessor de crédito, no âmbito do AGROAMIGO, permite que cada agricultor seja visitado antes de assinar seu contrato. O assessor de crédito é um técnico agrícola da região em que trabalha e que conhece a comunidade. Passa a existir um compromisso de pagamento da dívida que não se estabelece com uma instituição abstrata e longínqua (o banco), mas sim no âmbito de uma relação de reciprocidade entre quem atribui e quem recebe o financiamento. Existente já há dois anos, os primeiros resultados do AGROAMIGO, em termos de pagamentos das dívidas, mostram-se promissores.
A segunda iniciativa é o esforço de mobilização local para reverter a cultura da inadimplência, freqüentemente fortalecida por lideranças políticas e até por movimentos sociais. É uma cultura destrutiva, embora, muitas vezes, rentável sob o ângulo político e eleitoral.
A terceira iniciativa é decisiva: os que julgarem possível perpetuar suas dívidas terão seus nomes incluídos na dívida ativa da União. Pela primeira vez, o não pagamento de dívidas terá conseqüências sobre a organização da vida cotidiana, mesmo de populações pobres.
O sucesso destas três iniciativas depende de sua aplicação conjunta. Não se trata simplesmente de construir “instituições corretas” que sinalizem aos indivíduos punições por conduta inadequada. O importante é que os indivíduos sejam igualmente motivados ao cumprimento de seus compromissos e possam inserir o recebimento dos recursos do PRONAF num universo local que, para eles faz sentido. Ao mesmo tempo, porém, se não houver a clara sinalização de que a inadimplência será punida, a construção das finanças de proximidade – e, em última análise, o próprio PRONAF – estarão fortemente questionados. A grande dúvida é saber se estas mudanças políticas poderão ser levadas adiante em pleno ano eleitoral. É um teste de maturidade ao qual estão expostos não apenas o Governo e o Congresso Nacional, mas os próprios movimentos sociais que fizeram do PRONAF um patrimônio da sociedade brasileira.

A soja em 2008, por Eduardo Gudynas, do CLAES, Uruguai

dezembro 2007

A próxima safra de soja no Mercosul + Bolívia irá superar a marca de 116 milhões de toneladas, ultrapassando a produção norte-americana e tornando-se a maior região produtora do grão do planeta.
São notícias boas para uns e ruins para as populações rurais e semi-urbanas atingidas pelo avanço da fronteira agrícola em todos os países que compõem esse bloco econômico. Isso sem falar nas questões ambientais, na devastação do Cerrado e do Chaco, do que resta de Mata Atlântica no Paraguai e florestas na Argentina, que afetam a todos nós, sejamos rurais ou urbanos. Essa listagem faço para lembrar que a Floresta Amazônica é a menos ameaçada por esse implacável avanço do capitalismo no campo latino-americano, porém a mais defendida por governos e organizações ambientalistas e sociais.
Veja a excelente análise que Gudynas faz do panorama da soja para o próximo ano, baixando seu estudo (A soja em 2008 EGudynas.pdf) que está disponibilizado em
"Documentos"
Maurício Galinkin,
Editor

Avanço da fronteira agrícola em SP vai acabar com Cerrado paulista

outubro 2007

Mario Menezes
Diretor-Adjunto de Amigos da Terra – Amazônia Brasileira

No último dia 10, aconteceu em São Paulo o Seminário “Bioenergia em São Paulo: Questões Ambientais”, organizado pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente.
Com a presença de Xico Graziano, secretário de Estado do Meio Ambiente, e José Goldenberg, atualmente coordenador da Comissão de Bionergia do Estado, discutiu-se o capítulo ambiental de documento-base preparado com a finalidade de recomendar políticas estaduais de sustentabilidade e competitividade para o setor de bioenergia,
O curso das discussões havidas permite dizer que as autoridades estaduais demonstram certa preocupação com os “vazamentos” (deslocamento de atividades produtivas para outras áreas do território paulista e até mesmo para outros estados) que a expansão das culturas bioenergéticas possa provocar. Entretanto, a proposta de como lidar com a questão, no âmbito de políticas públicas, ainda está um tanto fora de foco. Há oportunidades de melhoria ambiental no próprio território paulista, que essa expansão oferece, como a de recomposição massiva de APPs e de reservas legais, mas o documento discutido faz referência, apenas, à preservação de nascentes e manutenção de remanescentes florestais, hoje em torno de 14%, concentrados na Mata Atlântica.
Os debatedores do evento – a maioria constituída de atuais ou ex-assessores da área ambiental - asseguram que a Secretaria do Meio Ambiente só tem condições de fazer o licenciamento de usinas, individualmente, sem avaliar o impacto agregado desses empreendimentos (há hoje 56 novas usinas em planejamento no estado). Além disso, reforçam a importância de uma avaliação ecológica estratégia dos empreendimentos bioenergéticos em São Paulo, inclusive para se conhecer seu impacto sobre outras culturas e outras regiões. A preocupação com a falta de zoneamento também ficou evidente, com sugestões de que ele seja ecológico, além de social, econômico e agrícola, como propõe a Comissão de Bionergia.
Por seu turno, o setor produtivo, como em outros eventos de discussão do tema, se mostrou mais disposto a tratar como mitos questões cruciais como desmatamento induzido, desarborização (derrubada de árvores isoladas, que em São Paulo e outros estados são importantes do ponto de vista da ecologia de paisagem) e trabalho escravo.
Pela sociedade civil, Amigos da Terra sugeriu a implantação de um programa específico de recomposição de APPs nas áreas produtoras de cana, que nesta safra cresceram em torno de 400 mil hectares em relação à de 2005/06. Hoje, 70% dos 4,3 milhões ocupados pela cultura, no Estado, são arrendados pelos usineiros, e não passam pelo crivo do processo de licenciamento ambiental. Pelo protocolo firmado com o governo estadual, as usinas não plantam em APPs, que ficam imobilizadas durante pelo menos cinco anos (prazo mínimo dos arrendamentos), período em que um processo de recomposição poderia ser desenvolvido. Entretanto, não há mecanismo ou procedimento negociado nesse sentido.
Para justificar a expansão do agronegócio em seu território, o governo paulista lança mão de um argumento cada vez mais comum entre as autoridades e empresários do setor: que o uso de pastagens pouco produtivas para a expansão do cultivo de cana, grãos etc. não gera passivo ambiental. Não consideram – como o fazem técnicos do próprio governo - que, além dos “vazamentos” que tal substituição provoca, a ocupação dessas pastagens por cultivos intensivos representa perda ambiental relevante, na medida em que essas áreas apresentam maior permeabilidade ecológica, traduzida em também maior biodiversidade ou potencial de diversificação biológica, em relação aos monocultivos nelas introduzidos. São Paulo tem nove milhões de hectares de pastagens, e a substituição de parte dessa área por cana, além de provocar “vazamentos” – da pecuária, principalmente – também produzirá prejuízos ambientais importantes em nível local. E nunca é demais lembrar que as áreas de domínio do Cerrado, em São Paulo, são hoje a “fronteira” agrícola no estado, e que esse bioma está desaparecendo do território paulista.

A Pressão vai Aumentar

setembro 2007

por Mário Menezes,
Amigos da Terra Amazônia Brasileira
Faço algumas considerações de ordem mais estrutural sobre o processo do avanço da fronteira agrícola em nosso país, começando pela soja, para depois derivar um pouco para o agronegócio, em vista do novo quadro agora imposto pela corrida aos biocombustíveis. Entretanto, antecipo, desde já, o risco de estar “fazendo chover no molhado” em muito do que coloco aqui.

Os últimos dados sobre o mercado de soja mostram que a demanda e preço da commodity estão se recuperando rapidamente, o que significa que estamos em via de enfrentar nova expansão da cultura no país e, particularmente, na Amazônia – apesar dos estragos causados pelo clima (excesso de chuvas) nessa cultura, ultimamente, na região. Agora em fevereiro, foi negociado um volume de papéis de soja 36% superior ao mesmo mês de 2006. Dizem os especialistas que essa expansão dos contratos demonstra que vai haver um movimento altista do produto, provocado, principalmente, pelo aumento da produção de etanol no EUA, onde o governo quer substituir 20% da gasolina, pelo álcool, até 2017. Com isso, o milho estará deslocando soja, não só lá, como em outros países do mundo, como o Brasil. Nas nossas regiões agrícolas tradicionais (SP, MS etc.) o milho tbém deverá estar deslocando soja, em função do grande aumento da demanda do primeiro, tbém como conseqüência da política estadunidense. Nós últimos dias, a saca de 60 kg de milho teve um aumento de 28%, e os agricultores estão de olho nas melhores possibilidades abertas pelo mercado externo. Vai daí, que a expansão da soja na Amazônia estaria sendo inflada tanto pela expansão da cultura do milho nos EUA, como pela nossa aqui.

Como o Estado não tem uma política voltada para o controle desse processo expansionista – ao contrário, tem estimulado essa expansão – pareceria importante ter em conta o quadro que se avizinha, tendo em vista a aplicação dos princípios gerais. O desafio de aplicar esses princípios gerais seria ainda maior nesse novo contexto.

Ampliando um pouco estes comentários, colocaria, a título de provocação, o seguinte: não seria o caso de abrir o processo de articulação, pensando o conjunto do agronegócio?